domingo, 29 de setembro de 2013

P de (The) Privacy of Rain - XLVII




[...]
Piove en el barrio
en la cheno oscura.
Nubes de atorro
cubren la luna. 

Juná la lluvia en la yeca,
estrilando en la ventana.
Juná al viento e la neblina 
que al ancho río deschavan.

[...]

sábado, 28 de setembro de 2013

E de Estádio


O GRANDE CAÇADOR


O visível revela
uma realidade invisível.
Ano após ano o vazio
dos que desaparecem
atravessa o escudo da vida
e apodera-se dos nossos corpos
Todos os anos conheço gente
que desaparece no café.
Posso invocar os seus nomes,
assinalar o seu vazio.
Por essa frincha da vida
escorre, transparente,
a morte.


Ramón Mayrata, Poemas del Café Estigia,
Madrid, Calambur, 2004
[Trad. ID]

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

T de "Treze maneiras de olhar para um melro" (II)


II.

Eu tinha três ideias em mente,
Tal como uma árvore
Em que estão três melros. 




WALLACE STEVENS
[Trad. e fotografia de Inês Dias - Lisboa, 01/013

sábado, 21 de setembro de 2013

P de Poética (LI)


"O poema é solitário. É solitário e vai a caminho."

Paul Celan



[Moinho Grande, Agosto 013]

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Y de "You must believe in spring" (VII)


ABRIGO DOS CÉUS


Eu tenho desejado ir
Onde as primaveras não falham,
Aos campos onde moscas, atrevidas e astutas, não habitam,
E alguns lírios nascem.

E tenho pedido para estar
Onde nenhuma tempestade há-de chegar,
Onde a corrente verde está abrigada e muda,
E fora da oscilação do mar.


Gerard Manley Hopkins
in Piolho n.º11, trad. Ricardo Marques,
Edições Mortas / Black Sun Editores, Agosto 2013

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

T de "Treze maneiras de olhar para um melro"


I.

Entre vinte montanhas cobertas de neve,
A única coisa que se movia
Era o olho de um melro.




WALLACE STEVENS
[Trad. e fotografia de Inês Dias - Santarém / Dezembro 012 

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

S de Solidão (ou C de Comunidade) LVII



MEDITAÇÃO IDIOTA NA HORA DE DEITAR-SE SOZINHO


Se disseste, e tens repetido tantas vezes,
que o teu único amor é uma mala,
para que te queixas e protestas
enquanto olhas o tecto sobre tua cama solitária.
Vítima, juiz e enfim e carrasco,
podes ainda sentir que estremeces porque alguém te ama,
mas tu escolheste, de certo modo, esse destino,
e agora deves pagar o preço.
Tu que pronunciaste "amo-te" tantas vezes,
para te rires depois da tua frase,
- o que esperas?, a quem pedes em vão?
Se quando encontras alguém que comparte teus dias,
tuas noites mais terríveis, tua soma de fracassos,
te mete medo dizer-lhe "continuemos sempre juntos",
embora seja uma frase, embora não o creias,
- que final é o teu?, que esperas tu?
E se também te queixas das farsas grotescas
que amiúde, inúteis, constróis
com frívolas histórias, palavras mercenárias,
- o que pretendes? que pedes à vida?
A vida não é um jogo, deves tê-lo compreendido,
e se há algo evidente é que já envelheceste.
Conforma-te e aguenta e não peças milagres,
que o vodka te acompanhe ao silêncio e ao sono.
Aos pés da tua cama, como cadela no cio,
a morte, serviçal, dá-te as boas noites.


Juan Luis Panero
in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, trad. José Bento,
Lisboa: Assírio & Alvim, 1985

R de Regresso ao Trabalho (LIV)


CELULAR


bem-vindo ao dia, esta é a cela
um relógio cuidará de você

não tente fugir, não se deite
ou ao menos (o que fala e o que 

falta falar) não durma, mantenha
as quinas à distância segura

este é o abrigo ou seu avesso
certo abandono e céu possível


Tarso de Melo, Caderno Inquieto,
São Paulo: Dobra Editorial, 2012

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

T de "The days grow short..." - VII c


SETEMBRO


As uvas prolongam o verão. O sol inteiro condensado no seu açúcar. Nos dias de feira atam-no aos paus que sustêm os toldos. Ainda há quem insista em comprar uma camisola de alças para que o calor não fuja. No poema que o rapaz escreve à sombra de um castanheiro a tarde tem olhos lânguidos. Vê-a passar sem se atrever a dizer-lhe nada. Meninas e meninos fazem fila num escorrega para imaginar que chegam ao céu graças à sua tecnologia. O crepúsculo deixa a inicial de um nome em cada janela aberta à sua frescura.


[Trad. ID] 

domingo, 15 de setembro de 2013

S de "Sempre disse tais coisas esperançad@ na vulcanologia" - XXX b




São Miguel / Agosto 013

[in Manuel de Freitas, Pontas do mar
com capa e fotografias de Inês Dias e arranjo gráfico de Inês Mateus,
Lisboa, Paralelo W, 5 de Setembro de 2013]

sábado, 14 de setembro de 2013

T de Tratado de Pedagogia - VII b


[...] Desfizemos as malas no dormitório e agora estamos sentadas em rebanho, juntas, sob mapas que representam o mundo inteiro. Há escrivaninhas com tinteiros a transbordar. Aqui serão escritos a tinta os nossos deveres. Mas aqui não sou ninguém. Não tenho rosto. Esta grande comunidade, toda vestida de sarja castanha, roubou-me a identidade. Somos todas insensíveis, hostis. Vou procurar um rosto, um calmo rosto monumental, e vou conceder-lhe o dom da sabedoria, usá-lo por baixo do vestido como um talismã, e então hei-de encontrar (é uma promessa) um pequeno vale numa floresta e aí depositarei a minha provisão de estranhos tesouros. Prometo a mim própria. Assim, já não preciso de chorar. 
[...]"


Virginia Woolf, As Ondas,
trad. Francisco Vale, Lisboa: Relógio D'Água, 1988

domingo, 8 de setembro de 2013

P de Poética (L)


"The blues to me is like being very sad, very sick, going to church, being very happy. There's two kinds of blues, happy blues and then sad blues. I don't know, blues is sort of a mixed-up thing. You just have to feel it. Everything I do sing is part of my life."



quinta-feira, 5 de setembro de 2013

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

P de (Po)ética - XLIX c


À BEIRA DE UM MAR PARECIDO


Sim, tenho ouvido dizer
que as grandes causas
são grandes e lucrativas.

Mas prefiro falar
daquele armário azul
encostado ao coração
podre.


Manuel de Freitas, Game Over,
com capa de Luis Manuel Gaspar e arranjo gráfico de Olímpio Ferreira,
Lisboa: & etc, 2002




[ID, Santa Cruz, 14/08/013]