sábado, 30 de setembro de 2023

sábado, 23 de setembro de 2023

P de "Paredes frias" (III)


E a tua ferida, onde está?
Pergunto onde fica, em que lugar se oculta a ferida secreta para onde foge todo o homem à procura de refúgio se lhe tocam no orgulho, se lho ferem? Esta ferida - que fica assim transformada em foro íntimo - é que ele vai dilatar, vai preencher. Sabe encontrá-la, todo o homem, ao ponto de ele próprio ser a ferida, uma espécie de secreto e doloroso coração.
Se observarmos o homem ou a mulher que passam com olhar rápido e voraz - e também o cão, o pássaro, uma panela - a velocidade do olhar é que nos mostra, ela própria e com rigor máximo, que ambos são a ferida onde se escondem mal sentem o perigo. O quê? Já lá estão, já os conquistou - deu-lhes a sua forma - e para ela a solidão: lá estão inteiros no retesar de ombros em que passam a concentrar-se, com toda a vida a confluir na ruga maldosa da boca, e contra a qual nada podem nem querem, pois dela é que sabem esta solidão absoluta, incomunicável - este castelo da alma - para serem a própria solidão.


Jean Genet, O Funâmbulo,
trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: Hiena Editora, 1984





[Lisboa, 17/05/013]




O CIRCO


Venham ver, venham,
a minha oculta ferida.
Tem rebordo roxo
e paixão ao meio. 

É bonita e quero-lhe muito.
É flor de passiflora à botoeira
da pele que subpulsa,
que repulsa,
meus audiovisuais que aguentam tudo:
minha náusea, meu coração-culpa.

Brinco enquanto finjo um outro assunto.
Rif-raf é um brinquedo de criança
ou nada quer dizer
senão imagem onomatopaica.
Diagrama, indica infecção
palustre de água-viva e memória
tão secreta que não mata.

Vê-se e não se vê
a minha oculta ferida.
Mas tem cruzes e espinhos.
No centro uma gota brilha
rocio
ou som murmurado
que se transmite sem pedir palavra.

A minha ferida sangra 
como que entornada.
Venham ver, entrem,
que não se paga nada. 


Ruy Cinatti, 75 Poemas,
org. Manuel de Freitas, Lisboa: Averno, 2014

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

R de Rezar na era da técnica (VII)




ID | 2019

A de Amor (XIV)


21 - DA SUBLIMIDADE DO AMOR


É recorrente, nos programas de televisão vespertinos e entre amigos dados às chamadas "conversas moles", debater, pela enésima vez, as diferenças entre paixão e amor. E, contudo, creio que não existem. Não acredito em amores desapaixonados, ainda que o preço a pagar por este entendimento seja, o mais das vezes, a confrontação com a finitude dos amores. O que não convem a quem pretende vender ao mundo uma imagem estável ou viver na comodidade perguiçosa do conhecido, por oposição aos trabalhos a que os recomeços, as reinvenções, obrigam. Não há - nos amores de natureza erótica, de raiz erótica, de fundação erótica - grandes espaços para fraternidades, filiações, amizades que não estejam subordinadas ao erotismo (como na poesia não há espaço para mensagens que não estejam subordinadas ao "dizer poético", que acaba por ser, ele próprio, a sua mensagem mais abrangente e perene).
     Mas o que não há, também, é uma obrigatoriedade de amar. Nesse plano, há muitos estádios intermédios que podem até, dependendo das circunstâncias, convir mais a cada qual. Até porque o amor não é uma questão de opção - é irracional, involuntário e altamente improvável. Pressupõe quadros, psicológicos e vivenciais, culturais e físicos, adequados e propícios. O amor é o menos democrático dos sentimentos, o mais elitista (só que, cá está, este elitismo é do seu foro interno - não de qualquer outro). E, sem que isso contradiga o que disse de início, o amor é eterno: quando um amor termina é sinal de que uma das pessoas em causa, ou ambas, morreram, ainda que a morte seja metamorfose ou renascimento ou morte-viva.
     E pode, eventualmente, nestes casos, o amor permanecer eternamente vivo no outro, como se votado a um morto ou como amor sem objecto que não o próprio amor, tornando-se, assim, ainda mais substantivo.
     Este tipo de amor, estou em crer, só é permitido aos poetas.


Miguel Martins, Lérias,
Lisboa: Averno, 2011

terça-feira, 12 de setembro de 2023

P de "(As) Praias Obscuras" (IV)

 



Margaret Millar fotografada pelo marido.


*




Margaret Millar, Um estranho no meu túmulo,
trad. de Inês Dias, Lisboa: Averno, 2011


quarta-feira, 6 de setembro de 2023

A de (Companheiros de) Aniversário

5 de Setembro de 1912
(12 de Agosto de 1992)