quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Q de "Que a alegria permaneça em mim" (VIII)




António Barahona, Só o som por si só (Quarto Tômo da Suma Poética),
com capa a partir de colagem do Autor e arranjo gráfico de Inês Mateus,
Lisboa, Alambique, 17 de Janeiro de 2017

domingo, 19 de fevereiro de 2017

L de Ler (VIII)


(a Carson McCullers)


"Uma árvore, um rochedo, uma nuvem"
Carson McCullers moribunda ou recém-nascida
cessou de respirar sem alcançar a ciência?

Um velho, a criança, o café ambulante,
na madrugada da América o amor da cerveja,
e a mulher fugitiva dentro do velho
a entrar devagar pelos olhos da criança

"Uma árvore, um rochedo, uma nuvem"
"o sorriso era vivo. - Lembra-te de que te amo"
Eu serei aquele velho e tu a brancura,
a neve suspensa, à noite, sobre a cama,
quando o recordar-te para não morrer
for a única tarefa na solidão do poema

E direi como ele à criança d'alva:
"Sabes como o amor devia começar?"
(E nem alegria nem tristeza no meu rosto:
Um navio em dia de canícula
através do lago dos peixes dourados,
uma chuva miudinha, uma letra infantil
que salpica os painhos pousados nos mastros):

"Uma árvore, um rochedo, uma nuvem"


António Barahona, Eunice,
Lisboa, Ed. do Autor, 1970






à memória de Carson McCullers


Uma árvore, um rochedo, uma nuvem
Carson McCullers moribunda ou recém-nascida
cessou de respirar sem alcançar a ciência?

Um velho, uma criança, um café ambulante,
na madrugada da América o sabor a cerveja,
e uma mulher fugitiva dentro do velho
a entrar devagar plos olhos da criança

Uma árvore, um rochedo, uma nuvem
o sorriso era vivo. - Lembra-te de que te amo
Eu serei aquele velho e tu a mulher,
a neve suspensa, à noite, sôbre a cama,
quando o recordar-te para não morrer
for a única tarefa na solidão do poema

E direi como ele à criança d'alva:
- Sabes como o amor devia começar?
E nem alegria nem tristeza no meu rosto:
um navio em dia de canícula
através do lago dos peixes dourados,
uma chuva miudinha, uma letra infantil
que salpica os painhos pousados nos mastros:

Uma árvore, um rochedo, uma nuvem.


António Barahona, Pássaro-Lyra (Primeiro Tômo da Suma Poética),
Lisboa, Averno, 2015

R de Rosa Rotativa *


You are tired,
(I think)
Of the always puzzle of living and doing;
And so am I.

Come with me, then,
And we'll leave it far and far away—
(Only you and I, understand!)

You have played,
(I think)
And broke the toys you were fondest of,
And are a little tired now;
Tired of things that break, and—
Just tired.
So am I.

But I come with a dream in my eyes tonight,
And knock with a rose at the hopeless gate of your heart—
Open to me!
For I will show you the places Nobody knows,
And, if you like,
The perfect places of Sleep.

Ah, come with me!
I'll blow you that wonderful bubble, the moon,
That floats forever and a day;
I'll sing you the jacinth song
Of the probable stars;
I will attempt the unstartled steppes of dream,
Until I find the Only Flower,
Which shall keep (I think) your little heart
While the moon comes out of the sea.


- E. E. CUMMINGS





ROSA ROTATIVA


para o António Barahona e a Daniela Gomes

                       
                         "Je vis mes roses rosées dans mes ténèbres."

                        PIERRE JEAN JOUVE


Já é tarde. Os grunhos do andar de cima terminaram, enfim, de celebrar estridentemente a vitória do Benfica em Bordéus. Na companhia de Chet Baker, estive a ler As Grandes Ondas e senti-me, uma vez mais, visitado por um fogo limpo que cresce a cada leitura. Até um descrente, como eu, acaba por encontrar ali a única religião possível, onde o amor (pelo que é belo e verdadeiro) e o ódio (pelo que é vil e interesseiro) sabiamente se equilibram numa corajosa Guerra Santa. 
      Foi sempre assim: há os que esculpem versos, recorrendo a aclamadas e simiescas habilidades ou a revoltas de papelão, e existem, nos antípodas (escandalosamente ignorados), os poetas incondicionais, na urgência do seu grito, sussurro ou pranto. Tive a sorte de conhecer alguns desses príncipes sem reino e, em particular, António Barahona. À partida, dir-se-ia, muito pouco nos poderia aproximar. Mas ignorámos ambos, até que fosse chegado o momento, que a amizade é uma ponte incalculável e que o fundo respeito pela língua que partilhamos se tornou uma moeda rara, desprezada por banqueiros, políticos ou linguistas que se deleitam com novas escravaturas, e que tudo procuram traduzir em números.

*

Ao poeta, se realmente o for, nada pode ser alheio. Sabe-o, crua e visceralmente, António Barahona: «E pergunto-me por que escrevo, do mesmo modo que pergunto por que respiro; e reaproprio-me de tudo, a fim de vislumbrar o Todo, na tentativa de converter em harmonia a dissonância do mundo». Daniela Gomes foi sensível a este apelo, permitindo que as rosas rotativas do poeta se fundissem no mar inominado em que corpo e espírito se equivalem, para que o verbo sangre e resplandeça.

*

Poucas grandes ondas tenho visto assim tão altas. Devia oferecer-vos, em vez deste texto, rosas brancas e vermelhas, coisas de cheiro feliz.


- Manuel de Freitas
in Telhados de Vidro  n.º 18, Lisboa, Averno, Maio de 2013

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

S de "Sempre disse tais coisas esperançad@ na vulcanologia" (XXXVII)



[ID, São Miguel, 28/06/015]



UM POEMA DE CARL SANDBURG


Quero-te 
como as raízes secas
desejam a chuva
no verão

como o vento deseja
as folhas
do chão

e perdoa
dizer tudo isto tão
depressa


Emanuel Félix, 121 Poemas Escolhidos
Lisboa, Edições Salamandra, 2003




[ID, São Miguel, 25/06/015]

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

S de Santa Cruz (XI)


[Navio Hay, encalhado a 5 de Fevereiro de 1929, em Santa Cruz, na actual Praia do Navio
- um dos fascínios da minha infância]

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

S de Santa Cruz (XV)


ADAMASTOR
[Miradouro de Santa Catarina, 1927]


Regressámos à praia,
esgotada essa série de acidentes
em que o menor foi o amor,
ao contrário do que se previa.
Deixámos a maré subir
na memória, cancelar-nos
a areia sob os pés, levar
até os restos do navio encalhado
que ressuscitava todas as manhãs,
corpo de ossos já limpos.
Podia ter sido o meu.
Somos, afinal, dos últimos:
desfiamos gerações, contando onda após onda
após onda, até ao mergulho final.

E escrevemos como vivemos,
na espuma ou nos vidros embaciados
da cidade, com a teimosa convicção de que
nada ficará – nós não ficaremos.


Inês Dias, Da Capo,
Lisboa, Averno, 2014





sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

M de "My house, I say" (VIII)


O sorriso aos 2 minutos e 4 segundos: 
"When he takes me in his harms/ The world is bright/ All right".



quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017