quarta-feira, 10 de julho de 2024

T de Tratado de Pedagogia (XVII)

Go and catch a falling star,
Get with child a mandrake root,
Tell me where all past years are,
Or who cleft the devil's foot,
Teach me to hear mermaids singing,
Or to keep off envy's stinging,
And find
What wind
Serves to advance an honest mind.

If thou be'st born to strange sights,
Things invisible to see,
Ride ten thousand days and nights,
Till age snow white hairs on thee,
Thou, when thou return'st, wilt tell me,
All strange wonders that befell thee,
And swear,
No where
Lives a woman true and fair.

If thou find'st one, let me know,
Such a pilgrimage were sweet;
Yet do not, I would not go,
Though at next door we might meet,
Though she were true, when you met her,
And last, till you write your letter,
Yet she
Will be
False, ere I come, to two, or three.


John Donne

sábado, 6 de julho de 2024

P de Poética (XXXVI)


BICICLETA
 


Lá vai a bicicleta do poeta em direcção
ao símbolo, por um dia de verão
exemplar. De pulmões às costas e bico
no ar, o poeta pernalta dá à pata
nos pedais. Uma grande memória, os sinais
dos dias sobrenaturais e a história
secreta da bicicleta. O símbolo é simples.
Os êmbolos do coração ao ritmo dos pedais –
lá vai o poeta em direcção aos seus
sinais. Dá à pata
como os outros animais.


O sol é branco, as flores legítimas, o amor
confuso. A vida é para sempre tenebrosa.
Entre as rimas e o suor, aparece e des
aparece uma rosa. No dia de verão,
violenta, a fantasia esquece. Entre
o nascimento e a morte, o movimento da rosa floresce
sabiamente. E a bicicleta ultrapassa
o milagre. O poeta aperta o volante e derrapa
no instante da graça.


De pulmões às costas, a vida é para sempre
tenebrosa. A pata do poeta
mal ousa agora pedalar. No meio do ar
distrai-se a flor perdida. A vida é curta.
Puta de vida subdesenvolvida.
O bico do poeta corre os pontos cardeais.
O sol é branco, o campo plano, a morte
certa. Não há sombra de sinais.
E o poeta dá à pata como os outros animais.


Se a noite cai agora sobre a rosa passada,
e o dia de verão se recolhe
ao seu nada, e a única direcção é a própria noite
achada? De pulmões às costas, a vida
é tenebrosa. Morte é transfiguração,
pela imagem de uma rosa. E o poeta pernalta
de rosa interior dá à pata nos pedais
da confusão do amor.
Pela noite secreta dos caminhos iguais,
o poeta dá à pata como os outros animais.


Se o sul é para trás e o norte é para o lado,
é para sempre a morte.
Agarrado ao volante e pulmões às costas
como um pneu furado,
o poeta pedala o coração transfigurado.
Na memória mais antiga a direcção da morte
é a mesma do amor. E o poeta,
afinal mais mortal do que os outros animais,
dá à pata nos pedais para um verão interior.


 
Herberto Helder
in Antologia de Poesia Portuguesa 1960-1990, org. e introd. de Luís Miguel Nava,
Lisboa / Leuven: Caminho / Leuvense Schrijversaktie, 1991
 

domingo, 23 de junho de 2024

P de Paralelo W (II)



"[...]

Muitas coisas aconteceram no Paralelo W: exposições, festas, as leituras em scat do Nuno Moura, em allegro assai do Diogo Dória ou con tenerezza do João Paulo Esteves da Silva. Ocasionalmente, vendíamos livros. Mais importante do que a literatura e quem lá anda (às vezes pelos piores motivos) foi termos recolhido duas gatas - a Ginja e a Mia - que nos deram a magia e o consolo de que poucos humanos são capazes. O Joaquim ainda conheceu uma delas e teve uma frase indelével, ao saber do fecho do Paralelo W: 'Nunca mais nos vamos poder encontrar por acaso'. Na internet, para onde vamos agora de malas aviadas e coração devoluto, uma marradinha não é bem uma marradinha - e os corações são ali apenas sinais gráfico mais ou menos insinceros. É tão difícil, Zé, abrir uma garrafa de vinho branco online

[...]"





- Manuel de Freitas (texto) e Luís Henriques (ilustração),
Cão Celeste n.º 13, Lisboa, 2019

quinta-feira, 20 de junho de 2024

S de Solstício










[Fotografias: ID, 'Regional', 016]

quinta-feira, 13 de junho de 2024

S de Santo Antoninho dos Esquecidos (II)


13 DE JUNHO DE 2011


para a Inês Dias


A festa foi ontem. Mas não tivemos festa,
pela primeira vez em muitos anos.
Almoçámos tarde, na Rua da Regueira,
e o amor parecia diluir-se entre vielas
demasiado limpas e sombras do que já fomos.

Nas paredes devolutas, encontraste pássaros,
grinaldas frias, versos sem dono
nem sentido. Perto, ou muito longe,
três velas teimavam em iluminar-te os passos.
O cravo, azul, veio ao nosso desencontro.
Mas era de papel, embora rubro;
não nos podia salvar de sermos nós.

A festa, a única que me interessa, é o teu nome.


- MANUEL DE FREITAS
in Sunny Bar, org. de Rui Pires Cabral,
posfácio de Silvina Rodrigues Lopes, capa de Luís Henriques
e arranjo gráfico de Pedro Santos, Lisboa, Alambique, 2015





[ID, 12/06/017]

A de Altar (VI)



[Santo António, 2019]

quinta-feira, 30 de maio de 2024

P de (Po)ética (LXIV)

 



MARGUERITE DURAS
[Trad. Tereza Coelho]

terça-feira, 14 de maio de 2024

I de Intimidade - III b


"Digamos que há uma entrega total ao momento e ao ofício - tal como às pessoas a quem se ama ou com quem se está em intimidade. Repara que, mesmo quando se está só a conversar com alguém, há uma entrega total. Quando se está num acto íntimo tem de se ter uma atenção e entrega totais, tal como num acto artístico (o que quer que esta expressão queira dizer...). É por isso que não quero ninguém por perto, no atelier. Chego mesmo a sentir pudor."


Rui Chafes, Sob a Pele... conversas com Sara Antónia Matos,
Lisboa: Documenta, 2016


*


"Ver de perto a fé de outra pessoa não é mais fácil do que vê-la a cortar um dedo."


Alice Munro, Vidas de raparigas e mulheres,
trad. Miguel Serras Pereira, Lisboa: Relógio D'Água, 2014

sexta-feira, 26 de abril de 2024

P de (Po)ética (LXIII)

 


REMEDIOS VARO 
[1958 | 1962]



quinta-feira, 25 de abril de 2024

L de Liberdade

 



HANS MEMLING
[pormenor]

terça-feira, 5 de março de 2024

F de Flor Suficiente (XI)



[ID, Lx, 10/011]



"[...]
olha     traz-me um ramo de qualquer coisa
qualquer coisa que venha amaciar o seco das palavras
deitadas a este relento entre ninhos de raposa
e um sonho de groselhas 
é que deixam secura e mais nada     não deixam mais nada
os sabugueiros ao menos deitam flores e bagas
tudo pérolas     traz-me um ramo de azul tuaregue
e nem é preciso que vás ao deserto
entra por esta noite     pode ser apenas esta
não dês alerta aos bichos dos varandins
às gatas e aos gatos com cio     aos homens com sabre
sossega as gazelas     vai à fonte e traz o azul 
eu estarei à tua espera sem o falcão
sem o rei na barriga nem a gataria à espreita
[...]


Abel Neves, Úsnea,
Lisboa: Averno, 2015







[ID, Lx, 02/015]

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

A resposta será, sem dúvida, que podemos representar a obra de uma vida reduzida a três tratados, e também a três poemas, ou a três acções, nas quais o poder de criação pessoal seja levado ao extremo. O que significa mais ou menos isto: calarmo-nos quando não temos nada para dizer, fazermos apenas o estritamente necessário quando não temos projectos especiais e, coisa esta muito importante, ficarmos indiferentes quando não experimentamos a sensação indescritível de sermos arrastados, de braços abertos, por uma vaga da criação. 


Robert Musil, O Homem Sem Qualidades



*



[...] Estas árvores vão adoptar-me pouco a pouco, e para o merecer aprendo aquilo que é preciso saber:
Já sei olhar as nuvens que passam.
Já sei ficar parado.
E já sei quase calar-me. 


Jules Renard, Histoires Naturelles

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

T de (Uma) teoria de pássaros (II)


O VÔO DOS PÁSSAROS


Os áridos pássaros que mudam as estações
não vieram nunca, embora eu os esperasse.
Acaso falam os homens do que viram?
Silenciosos são os lábios dos homens.
Grito ou palavra de amor não comovem
as pedras empedernidas pelo tempo.

Eram secos pássaros.
E o céu, que é plumagem, crepita.
Nem nos que voam nem nos que permanecem.
Não me demorei sôbre nenhum pássaro.
Voando, eram a velha canção da infância morta
para mim, que sempre vi o que não existe
e eternamente verei o que jamais existirá.

Em vôo, como os anos, a vida, o tempo...

Nada imaginei que pudesse ser admitido
pelos que não entendem uma teoria de pássaros.


- LÊDO IVO

sábado, 13 de janeiro de 2024

C de Começar o dia com um livro novo (XLII)





X


     E se o vento varrer as fôlhas sêcas sem deixar nenhuma?
     Este Outomno ela não guardará fôlhas dentro dos livros
     e ele não escreverá mais poemas a falar da sua morte
     e ambos serão obrigados a não sair do Verão, mesmo no Inverno, à chuva, atrás dos vidros


António Barahona, Noite do Meu Inverno (Segundo Tômo da Suma Poética),
com capa de Inês Dias, fotografia de Teresa Santos e arranjo gráfico de Inês Mateus,
Lisboa, Averno, 2016





[ID, Nazaré, 02/013]

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

I de "I want to ride my bike" (XI)


BICICLETAS


à memória de Joana Dinis


Pedalar - e, se isto vos parecer retórico, faço questão de vos enviar ramos de jacintos, rosas de Santa Teresinha, essas coisas - é, por vezes, a única solução. Desenganados, fomos ver cegonhas, um falcão menos tímido, papoilas cujo rubor nenhum Monet fixou. Havia sobretudo vento, nêsperas ainda verdes, e pessoas que tão próximas ou distantes vão morrendo.

Pedalar contra o vento não é fácil.


Manuel de Freitas, 769118
com capa de Inês Dias e arranjo gráfico de Pedro Santos, 
Lisboa, Averno, 2020




segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

B de Bom Ano Novo (III)


Réveillon


As vozes. Os gestos. A passagem dos minutos, dos segundos. Lá fora, o frio intransitável. O coração reduzido ao receio do sangue sem diálogo (o pacífico punhal na bainha). A música à beira do excesso.
O ausente amantíssimo mas que não ousa o gesto decisivo. O vinho fluindo, o olhar interior fixo no horizonte, a mais ninguém visível. O rosto inebriado, sem lágrimas.
À meia noite as taças erguem-se até aos lábios sôfregos de esperança. No instante que mais confina com o silêncio, tudo mergulha no primeiro dia do eterno retorno.
O ausente amantíssimo. E o outro, deste lado do oceano. Habitando os dois a saudade, num coração solitário, à beira da explosão.
Lá fora, as estrelas brilham menos. Alguém começa a antever ao longe, muito ao longe, o cortejo da madrugada.

Londres, 1 de Janeiro 1997


Alberto de Lacerda, O Pajem Formidável dos Indícios,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2010

sábado, 23 de dezembro de 2023

B de Biorritmo (XXIX)


TRISTE SORTE


E ando na vida à procura
Duma noite menos escura
Que traga luar do céu.
Duma noite menos fria,
E em que não sinta a agonia
Dum dia a mais que morreu.

Vou cantando amargurado,
Mais um fado e outro fado
Que fale do fado meu.
Meu destino assim cantado
Jamais pode ser mudado
Porque do fado sou eu.

Ser fadista é triste sorte,
Que nos faz pensar na morte
E em tudo o que nós morreu.
E andar na vida à procura
Duma noite menos escura
Que traga luar do céu.


- João Ferreira Rosa

domingo, 3 de dezembro de 2023

E de Espera (LVIII) - 1.º Domingo de Advento


"(...) É para isso também que serve o círculo, a sua ideia. Serve para preparar o caminho da escuridão e do desconhecido, um caminho inteiramente interior. Às vezes apetece-me desejar a mim mesmo boa-noite, antes de me virar sobre o meu lado direito, que é o lado em que sempre penso trazer o coração."


João Miguel Fernandes Jorge, O Próximo Outono,
Lisboa, Relógio D'Água, 2012

sábado, 30 de setembro de 2023

sábado, 23 de setembro de 2023

P de "Paredes frias" (III)


E a tua ferida, onde está?
Pergunto onde fica, em que lugar se oculta a ferida secreta para onde foge todo o homem à procura de refúgio se lhe tocam no orgulho, se lho ferem? Esta ferida - que fica assim transformada em foro íntimo - é que ele vai dilatar, vai preencher. Sabe encontrá-la, todo o homem, ao ponto de ele próprio ser a ferida, uma espécie de secreto e doloroso coração.
Se observarmos o homem ou a mulher que passam com olhar rápido e voraz - e também o cão, o pássaro, uma panela - a velocidade do olhar é que nos mostra, ela própria e com rigor máximo, que ambos são a ferida onde se escondem mal sentem o perigo. O quê? Já lá estão, já os conquistou - deu-lhes a sua forma - e para ela a solidão: lá estão inteiros no retesar de ombros em que passam a concentrar-se, com toda a vida a confluir na ruga maldosa da boca, e contra a qual nada podem nem querem, pois dela é que sabem esta solidão absoluta, incomunicável - este castelo da alma - para serem a própria solidão.


Jean Genet, O Funâmbulo,
trad. Aníbal Fernandes, Lisboa: Hiena Editora, 1984





[Lisboa, 17/05/013]




O CIRCO


Venham ver, venham,
a minha oculta ferida.
Tem rebordo roxo
e paixão ao meio. 

É bonita e quero-lhe muito.
É flor de passiflora à botoeira
da pele que subpulsa,
que repulsa,
meus audiovisuais que aguentam tudo:
minha náusea, meu coração-culpa.

Brinco enquanto finjo um outro assunto.
Rif-raf é um brinquedo de criança
ou nada quer dizer
senão imagem onomatopaica.
Diagrama, indica infecção
palustre de água-viva e memória
tão secreta que não mata.

Vê-se e não se vê
a minha oculta ferida.
Mas tem cruzes e espinhos.
No centro uma gota brilha
rocio
ou som murmurado
que se transmite sem pedir palavra.

A minha ferida sangra 
como que entornada.
Venham ver, entrem,
que não se paga nada. 


Ruy Cinatti, 75 Poemas,
org. Manuel de Freitas, Lisboa: Averno, 2014

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

R de Rezar na era da técnica (VII)




ID | 2019

A de Amor (XIV)


21 - DA SUBLIMIDADE DO AMOR


É recorrente, nos programas de televisão vespertinos e entre amigos dados às chamadas "conversas moles", debater, pela enésima vez, as diferenças entre paixão e amor. E, contudo, creio que não existem. Não acredito em amores desapaixonados, ainda que o preço a pagar por este entendimento seja, o mais das vezes, a confrontação com a finitude dos amores. O que não convem a quem pretende vender ao mundo uma imagem estável ou viver na comodidade perguiçosa do conhecido, por oposição aos trabalhos a que os recomeços, as reinvenções, obrigam. Não há - nos amores de natureza erótica, de raiz erótica, de fundação erótica - grandes espaços para fraternidades, filiações, amizades que não estejam subordinadas ao erotismo (como na poesia não há espaço para mensagens que não estejam subordinadas ao "dizer poético", que acaba por ser, ele próprio, a sua mensagem mais abrangente e perene).
     Mas o que não há, também, é uma obrigatoriedade de amar. Nesse plano, há muitos estádios intermédios que podem até, dependendo das circunstâncias, convir mais a cada qual. Até porque o amor não é uma questão de opção - é irracional, involuntário e altamente improvável. Pressupõe quadros, psicológicos e vivenciais, culturais e físicos, adequados e propícios. O amor é o menos democrático dos sentimentos, o mais elitista (só que, cá está, este elitismo é do seu foro interno - não de qualquer outro). E, sem que isso contradiga o que disse de início, o amor é eterno: quando um amor termina é sinal de que uma das pessoas em causa, ou ambas, morreram, ainda que a morte seja metamorfose ou renascimento ou morte-viva.
     E pode, eventualmente, nestes casos, o amor permanecer eternamente vivo no outro, como se votado a um morto ou como amor sem objecto que não o próprio amor, tornando-se, assim, ainda mais substantivo.
     Este tipo de amor, estou em crer, só é permitido aos poetas.


Miguel Martins, Lérias,
Lisboa: Averno, 2011

terça-feira, 12 de setembro de 2023

P de "(As) Praias Obscuras" (IV)

 



Margaret Millar fotografada pelo marido.


*




Margaret Millar, Um estranho no meu túmulo,
trad. de Inês Dias, Lisboa: Averno, 2011


quarta-feira, 6 de setembro de 2023

A de (Companheiros de) Aniversário

5 de Setembro de 1912
(12 de Agosto de 1992)

domingo, 27 de agosto de 2023

S de Santa Cruz (V)


PRIMEIRO AMOR


Nenhuma gaivota
chegou às minhas mãos
sem as tuas asas.


- ANTONIO HERNÁNDEZ




[Santa Cruz, com o Manuel / Setembro 012]