sexta-feira, 4 de abril de 2014

M de Música para os meus olhos (XXVII)



[Alcântara, 20/02/12 - e um adjectivo escondido atrás da coluna]



Conheço uma velha parede onde os sonhos se refugiam todos os dias ao fim da tarde. Os mais ambiciosos julgam que a velha parede é um mealheiro, e alguns chegam mesmo a confundi-la com um pote de moedas guardado por mouras encantadas ou onde nasce o arco-íris. 

Incólume à ambição, a parede continua a envelhecer ao ritmo dos sonhos, que a procuram silenciosos e cansados, à medida que o sol se esconde atrás da parede onde se refugiam.

Creio que só as crianças conhecem o verdadeiro segredo da parede. A chave que dá acesso aos sonhos acumulados durante séculos, e que consiste em considerá-la apenas uma velha parede: onde se escondem quando brincam às escondidas e usam como baliza quando jogam à bola. Ou vão ainda mais longe, e garatujam também um sonho na cal da velha parede, com mão incerta mas determinada.


Jorge Fallorca

in Telhados de Vidro n.º11, Lisboa, Averno, 2008.


1 comentário:

Odracir disse...

Gosto! (e de adivinhar o adjectivo)