quinta-feira, 1 de junho de 2017

P de Pássaros anónimos (X)


O CORVO


O céu desta cidade não me vence.
Ao ver a lua cheia num rasgão de nuvens
esqueço-me das casas da minha casa,
das ruas da minha rua, das vidas da minha vida.
Há uma noite acesa no meu mundo.

E tu deitas na mesa.
Primeiro as mãos que não querem esperar
pelo corpo à beira do colapso
que julgo financeiro
em matéria de sexos pois são muitos e novos
os que tu disfarças.

Depois vem o aparelho da fala com a tua metafísica
varrida por vassouras de metal pungente
que correm pelo teu rosto e tu tão bem disfarças
com a faca do riso entreaberta.

Por fim o teu cabelo. É belo olhá-lo.
E belo vê-lo pousar como um corvo
na toalha branca do jantar.
E ver por fim a natureza que te ocupa
o órgão do prazer,
a música de Bach ou o ramo de luz
que cresce dos teus olhos.

Não vejo o teu coração, deixei de ver a lua.
E o céu desta cidade não me vence.