O MUNDO NÃO PODE DORMIR
Há hoje no mundo pouca gente que durma; as noites são mais longas, mais longos os dias.
Em todos países, por essa Europa fora, em todas as cidades, em cada rua, cada casa, cada aposento, tornou-se mais curta e febril a tranquila respiração do sono; a época é de fogo, e como se fôra uma única noite de verão, pesada e abafadiça, cai sobre as nossas noites e perturba-nos os sentidos. Quantos, aqui e algures, habituados a deslizar entre o princípio da noite até de manhã na barca negra do sono - enfeitada com as rútilas e flutuantes bandeiras dos sonhos - ouvem agora à noite o tique-taque dos relógios, e vagueiam pelo tremendo caminho que vai desde o cair da sombra até ao aparecimento da luz, e sentem lá dentro o verme dos cuidados a roê-los sem cessar, a roê-los sem descanso, até que o coração adoece e fica em ferida. Toda a humanidade tem agora febre de dia e de noite; esse terrível, pavoroso estar desperto transparece nos sentidos sobreexcitados de milhões de criaturas: o destino penetra, invisível, através de milhares de portas e janelas e expulsa o sono; de cada leito afugenta o esquecimento. Há pouco quem durma no mundo; são mais longas as noites, mais longos os dias. Ninguém pode estar sozinho consigo e o seu destino; cada um de nós espreita para a distância. [...]
Stefan Zweig, O Mundo não pode dormir e outros contos escolhidos,
Porto: Livraria Civilização, 1940
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