segunda-feira, 18 de agosto de 2014

S de Solidão (ou C de Comunidade) LIX


O que ilumina o mundo e o torna suportável é o habitual sentimento que temos dos nossos laços com ele - e mais particularmente do que nos liga aos seres. As relações com os seres ajudam-nos sempre a continuar porque pressupõem desenvolvimentos, um futuro - e também porque vivemos como se a nossa única tarefa fosse precisamente o manter relações com os seres. Mas nos dias em que nos tornamos conscientes de que não é a nossa única tarefa, sobretudo nos dias em que compreendemos que só a nossa vontade conserva esses seres ligados a nós - deixem de escrever ou de falar, isolem-se e verão como eles fundem em vosso redor - verão como a maioria está na realidade de costas voltadas (não por malícia, mas por indiferença) e que o resto conserva sempre a possibilidade de se interessar por outra coisa; quando imaginamos desta forma tudo quanto entra de contingente, de jogo das circunstâncias, no que costuma chamar-se um amor ou uma amizade, então o mundo regressa à sua noite e nós a esse grande frio de que a ternura humana por um momento nos tinha afastado. 


Albert Camus, Cadernos II,
trad. António Quadros, Lisboa: Livros do Brasil, s/d

3 comentários:

Anónimo disse...

Muitos beijos.
M.

Odracir disse...

Pode ser um caminho um pouco escuro, (mas é como é), e estas palavras iluminam-no. Uma vénia.

Anónimo disse...

um calafrio