segunda-feira, 13 de abril de 2015

R de Rebeca (XIX)


[...]

Não achas, Mãe? Por exemplo. Há um cão vadio, sujo e com fome, cuida-se deste cão e ele deixa de ser vadio, deixa de estar sujo e deixa de ter fome. Até as crianças já lhe fazem festas.
Cuidaram do cão porque o cão não sabe cuidar de si - não saber cuidar de si é ser cão.
Ora eu não queria que cuidassem de mim, mas gostava que me ajudassem, para eu não estar assim, para que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si!

* * *

Eu queria que os outros dissessem de mim: Olha um homem! Como se diz: Olha um cão! quando passa um cão; como se diz: olha uma árvore! quando há uma árvore. Assim, inteiro, sem adjectivos, só de uma peça: Um homem!

[...]


José de Almada Negreiros, A Invenção do Dia Claro,
ed. fac-similada, Lisboa: Assírio & Alvim, 2005

2 comentários:

flor disse...

Maravilhoso.

Maria Eu disse...

Trocando "homem" por mulher, seria o que teria gostado de escrever.