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No Natal, uma amiga mandou-me um cartão de boas festas da Unicef com um Anjo da Anunciação de Fra Angelico. Tenho-o em exposição no meu quarto e, quando quero rezar, olho para ele. Mas não sou contemporânea de Fra Angelico. Não posso tomar café e tagarelar com ele nos cafés como posso fazer com a amiga que me enviou o anjo dele pelo Correio. Por isso o Anjo da Anunciação de Fra Angelico, que é tão bonito, pode também ser doloroso. Fra Angelico já morreu. E não é a beleza do anjo de Fra Angelico que me garante que Fra Angelico ressuscitará.
Um poema de Rimbaud está cheio de violência. Há muita beleza na expressão dessa violência. E isto é terrível. Preferia que Rimbaud não estivesse ferido a ponto de escrever daquela maneira? Preferia. Mas não posso dizer isto assim.
A arte é feita para construir a paz. Não é um esgrimir no vazio. Não pode ser. Olho para o Anjo da Anunciação de Fra Angelico. Parece-me belíssimo. É vermelho e dourado. É verde e azul. Mas, ao escrever assim, parece-me que estou a evocar o poema de Rimbaud intitulado «Voyelles». A arte é um modo de lidar com a ausência. E por isso é tão preciosa e tão perigosa. Nunca é a alegria da presença."
- ADÍLIA LOPES (1960-2024)
1 comentário:
Such a profound reflection on the complexities of art, absence, and memory. The tension between the beauty of Fra Angelico’s angel and the weight of loss speaks to how art can both comfort and expose pain. Your words beautifully capture the paradox of creation and longing.
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