Há alguns anos
antes de virmos para o rio Kamp pescar garoupas
era costume besuntarmos o corpo com argila
fazermos dos ossos estigma
como a pegada do cavalo no Sítio
que tu nunca conseguiste ver
Procurávamos lagostas nas rochas
protegíamo-nos com castelos de areia
Quando uma onda maior nos ameaçava
era na corda das bóias que sabíamos estar a salvação
dum iminente afogamento
Resolvíamos sopas de letras com areia
jogávamos cartas contra o vento
brindávamos as barracas de pijama
com baldes cheios de água salgada
e
só uma vez
com o mijo que nos empalideceu
Mas
de tudo
o que mais apreciávamos
era podermos vazar o lixo depois do jantar
largar o balde junto ao contentor
e fugir noite dentro em correria
à procura duma liberdade
que sabíamos estar à nossa espera nas ruas
Se algum dia voltarmos à Nazaré
será com a carteira recheada de marisco
com as unhas dos pés presas ao alcatrão
e com as mãos atadas aos recibos verdes
a que votámos a liberdade dos nossos dias presentes
Isto
se algum dia lá voltarmos
coisa de que duvido por já não me parecer
possível
Henrique Manuel Bento Fialho
in Canto de Mar - uma antologia de poesia sobre a Nazaré
(Biblioteca da Nazaré)
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