quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O de "Oh! qu'ils sont chers, les trains manqués/ Où j'ai passé ma vie à faillir m'embarquer!..." *

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Alguém que veja o comboio a partir do campo
vai associá-lo ao mistério e querer ver-nos
como seres que voltam de outro mundo,
que vêm da morte sem sabê-lo.
Semi-adormecido, atrás dos vidros
em cujo fundo se instala o segredo
de uma luz mortiça, nesta urna
que nos transporta como um mausoléu
sabe-se lá para onde, ou até quem,
que escapa para tornar fugaz o eterno
ou para descobrir que no fugaz
há sinais do imperecível,
alguém me olha, a par de quem me vê,
com o meu  perfil, cabelo igual,
surpresa idêntica nos olhos,
duplo de um rosto que a lua pôs
do outro lado do vidro. E falo-lhe
como se a versão desse reflexo,
que a lua não pinta mas sim a luz
mortiça deste compartimento,
me fosse dar a chave a partir de fora,
como se me olhasse a partir de um tempo
que não é o meu, tal como se alguém olhar
a partir do campo vê passar os mortos.


Antonio Hernández, Sagrada Forma,
Madrid: Visor, 1994



* Jules Laforgue

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