ESTA NOITE
A primeira vez que vi Charles Chaplin e Paulette Goddard mimarem os TEMPOS MODERNOS foi na véspera da minha Volta ao Mundo. Mostraram-me o filme numa sessão privada. Acabara de fazer as malas e tinha a certeza de que ia encontrar Charlie e Paulette nos mares da China, que nos íamos dar bem, que terminaríamos junto a nossa viagem, partilhando os inúmeros amigos que os seus filmes lhe traziam e os poucos corações dedicados que os livros me oferecem.
Os nossos amigos distantes cruzam-se muitas vezes, porque Chaplin é poeta. A sua poesia não precisa de ser traduzida mas, no fundo, a minha também não, no sentido em que a poesia é uma língua à parte que se se serve apenas de um idioma, e as pessoas que compreendem esta língua não são afastadas pelo idioma em que o poeta se exprime, tal como não são afastadas pelos costumes europeus dos filmes de Charlot.
Os cartazes de MODERN TIMES acolhiam-nos em cada escala. Infelizmente, viajávamos demasiado depressa para revermos juntos o filme.
Esta noite, em Montargis, numa garagem convertida em cinema, garagem essa que se deve parecer com o hotel de Bourgogne, revi essa obra, digna das farsas de Molière e das aberturas de Mozart.
Os meus amigos iniciam nele uma segunda morte, e eu vejo-os, de boa aberta como na lanterna mágica, exprimir sentimentos complexos com o à vontade dos antigos coreógrafos quando descreviam a beleza com um gesto redondo em volta do rosto, e o amor juntando as mãos sobre o coração.
Esta solidão, esta tristeza de lied que lança sobre Chaplin uma penumbra cuja causa deve ser o facto de ele se ter tornado rico a incarnar um pobre e a fortuna não trazer nada de novo a almas de tamanha elegância, são reforçadas ainda pelo meu cinema de província quase vazio.
A última vez que nos despedimos foi ao telefone, em Hollywood. A sua voz e a de Pauline chegavam até mim, separadas das suas imagens, tal como esta noite as suas imagens chegam até mim separadas das suas vozes.
Nunca desejei tanto um fenómeno que permitisse aos meus amigos ganharem relevo e cor, deixarem o ecrã, trocarem as estátuas finas de uma miúda e do ilustre vagabundo pela jovem resplandecente, e pelo dramaturgo de rosto vermelho e caracóis brancos.
O meu sonho trazia-os até França, a esta data, nesta sala onde MODERN TIMES continua sem eles, onde falaríamos de uma época de máquinas, de armas e de cansaço. Época difícil, que precede uma ainda mais difícil. Sempre que repousamos, sempre que passeamos, o destino ameaça-nos, de dedo apontado, pálido e terrível como o director da fábrica na parede da casa de banho.
Os cartazes de MODERN TIMES acolhiam-nos em cada escala. Infelizmente, viajávamos demasiado depressa para revermos juntos o filme.
Esta noite, em Montargis, numa garagem convertida em cinema, garagem essa que se deve parecer com o hotel de Bourgogne, revi essa obra, digna das farsas de Molière e das aberturas de Mozart.
Os meus amigos iniciam nele uma segunda morte, e eu vejo-os, de boa aberta como na lanterna mágica, exprimir sentimentos complexos com o à vontade dos antigos coreógrafos quando descreviam a beleza com um gesto redondo em volta do rosto, e o amor juntando as mãos sobre o coração.
Esta solidão, esta tristeza de lied que lança sobre Chaplin uma penumbra cuja causa deve ser o facto de ele se ter tornado rico a incarnar um pobre e a fortuna não trazer nada de novo a almas de tamanha elegância, são reforçadas ainda pelo meu cinema de província quase vazio.
A última vez que nos despedimos foi ao telefone, em Hollywood. A sua voz e a de Pauline chegavam até mim, separadas das suas imagens, tal como esta noite as suas imagens chegam até mim separadas das suas vozes.
Nunca desejei tanto um fenómeno que permitisse aos meus amigos ganharem relevo e cor, deixarem o ecrã, trocarem as estátuas finas de uma miúda e do ilustre vagabundo pela jovem resplandecente, e pelo dramaturgo de rosto vermelho e caracóis brancos.
O meu sonho trazia-os até França, a esta data, nesta sala onde MODERN TIMES continua sem eles, onde falaríamos de uma época de máquinas, de armas e de cansaço. Época difícil, que precede uma ainda mais difícil. Sempre que repousamos, sempre que passeamos, o destino ameaça-nos, de dedo apontado, pálido e terrível como o director da fábrica na parede da casa de banho.
Jean Cocteau
[Trad. ID]
.
1 comentário:
Que texto tão bonito.
Enviar um comentário