quinta-feira, 11 de julho de 2013

P de (Po)ética - XLIX


TRABALHAR CANSA
 
 
 
Atravessar uma rua para fugir de casa
é coisa para um garoto fazer, mas este homem que vagueia
pelas ruas todos os dias já não é um garoto
e não foge de casa.
 
Há tardes de verão
em que as praças ficam vazias frente
ao sol já em declínio, e este homem que chega
por uma avenida de árvores inúteis, detém-se.
Vale a pena estar só, para estar cada vez mais só?
Vaguear é encontrar praças e ruas
vazias. Havia que fazer parar uma mulher,
falar-lhe, convencê-la a viver consigo.
Não ser assim é ficar a falar sozinho. É por isso que às vezes
há bêbedos nocturnos que nos abordam
para contar os projectos de uma vida inteira.
 
Sem dúvida não é ficando à espera na praça deserta
que se encontra alguém, mas aquele que anda pelas ruas
por vezes detém-se. Se fossem dois,
mesmo a andar pelas ruas, a casa estaria
onde essa mulher estivesse e valeria a pena.
De noite a praça torna a ficar deserta
e este homem que passa não vê as casas
entre as luzes inúteis, não levanta os olhos:
sente apenas o empedrado, feito por outros homens
de mãos calosas como as suas.
Não é justo ficar na praça deserta.
Há certamente na rua uma mulher
que, solicitada, daria de boa vontade uma ajuda em casa.
 
 
Cesare Pavese
in O Vício Absurdo, sel. e trad. de Rui Caeiro,
Lisboa: & etc, 1990
 

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