segunda-feira, 30 de junho de 2014

M de "My house, I say" (V)


HORTA


Ao domingo, justamente, a cidade está aqui,
mas não existe. Há quem fique para trás
na agitação da fuga, ocupando por exemplo
uma horta varrida pela auto-estrada.

No princípio era apenas uma hipótese
remota, um conjunto de raízes (não se sabe
o número exacto) a descer por uma rocha.
Felizmente, verde-terra e massicote,
misturados na paleta, dão um verde gracioso.

Pacotes de sementes para um jardim
podem desencadear uma avalanche. Olhai bem
para ele agora. O que vai fazer com tudo isto?
Alface, pimentos, batatas, perguntas
de resposta múltipla sobre auto-estima.

Perdida no inferno dos subúrbios,
a horta faz parte de um plano maior:
trazer o tubarão a superfície, encontrar
no viaduto uma espécie de refúgio,  conseguir
escapar à morte no centro comercial.


Vítor Nogueira,  Modo fácil de copiar uma cidade,
Lisboa: & etc, 2011





[Os primeiros produtos da horta.]

2 comentários:

Anónimo disse...

Que bem!
Beijinho.
V.

ID disse...

Beijinhos :)