CASTELO DA BAIXA-CHIADO
As escadas, no coração da terra.
à hora tardia de julho. Cantava, na galeria
deserta, um mundo a que nunca pertenci.
Cantava, cantava sempre. A ondulação do verso subia
das águas fundas do Tejo, desfazia num murmúrio
a mágoa da sua voz
lançava, não a parede
de um fado, mas o túmulo do destino: violência inerte e fértil
dissolvia no céu vazio do verão
nos azulejos em eco
viajava no pátio e nas veias da cidade
sem valor e sem préstimo a que possa recorrer, sem
vislumbre de qualquer esperança
era a toada mercadora dos vermes brancos do fado
«que queres ouvir e ver e tão perto?» (parecia perguntar-me) e
avançava na espessa noite da terra
deteve-se no meu caminho
junto às ribeiras do rio, perdia-se
resto de lívida luz. A voz já não cantava
medida da perdição
bem próximo da minha pele. Alguém
apaixonado, compreenderia num olhar
o que não tinha nome em nenhuma outra língua
nem lugar em nenhuma outra pátria. A carruagem corria (taça de
metal branco) o timbre da sua voz
pela noite de Lisboa
sorte que está connosco
pronta a gerar plantas que envenenam a vida
num leito de folhas mortas.
João Miguel Fernandes Jorge, Castelos I a XXXV,
Lisboa: Averno, 2004
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