A TIA JEANNETTE
Ela lia a borra do café
e dava o dinheiro aos cegos.
O resplendor da janela
atravessava-lhe a escassa cabeleira
até alcançar a demi-tasse que a mão segurava.
"Vejo tormenta", disse um dia.
Não sei se falava de mim.
A minha mãe encerrava a dor nos livros. E Jeannette,
que trazia no nome a sua sina, preferia a leitura do café.
Todas as tardes na sua casa a fila de mentes desesperadas:
que uma viagem, que a amante, que a morte,
um encontro, qualquer coisa
que tornasse extraordinária a sua vida simples.
Ela, Jeannette, era a essência imperfeita do amor,
cega entre cegos velava a tormenta.
"Escreve tudo", disse-lhe, "escreve tudo o que vês."
Nunca me ouviu, ausente,
sob o esfumado da lua.
Jeannette Lozano
in Los momentos del agua, Barcelona: Ediciones Polígrafa, 2006
[Trad. ID]
[Henri Fantin-Latour]
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