sábado, 30 de julho de 2011

N de "No fundo, é isto" (II)

ACUSAÇÃO AO PRINCÍPIO DA TARDE


Viajo atrás do guarda-freio    um saco de livros na mão
o eléctrico quase cheio e na paragem da Sé lá saem
ao que diz o condutor e com ciência pura    os carteiristas
muito nervoso aquele que saiu pela porta da frente
E ao dobrar a esquina da Catedral    subindo à luz
da Graça    insinua então o advogado dos passageiros
atirando na minha direcção a nuca    e o polegar dirigido também
mas à frente do peito resguardado
e contando por certo que eu não o visse    que andaria eu à cata
pois então das carteiras vizinhas
Meio mundo ficou de rosto para mim
e eu como se todo o mundo
tivesse cristalizado no clarão da coisa insinuada
Nisto de carteiristas
o saber de experiência feito dos guarda-freios faz lei
E posso reafirmá-lo porque chegando à Graça
e em pedindo explicações    a criatura lá foi dizendo que
se eu reagia por alguma coisa seria    Fiquei
a compreender melhor
o murro de Billy Budd no mestre de armas Claggart
na bela novela
de Herman Melville    De um eléctrico na Graça
ao navio Indomável ainda vai existindo a porra do inexplicável


- Abel Neves

Sem comentários: