PASSEIO SOBRE A CIRCUNFERÊNCIA
No interior do círculo que engloba os seres numa comunidade de interesses e de esperanças, o espírito inimigo das miragens abre um caminho do centro até à periferia. Já não consegue ouvir de perto o bulício dos humanos; quer observar do mais longe possível a simetria maldita que os une. Vê mártires em todo o lado: uns sacificam-se por carências visíveis, outros por necessidades incontroláveis, todos prontos a sepultarem os seus nomes sob uma certeza; e, como nem todos podem lá chegar, a maioria expia pela banalidade esse entusiasmo do sangue com que sonhou... As suas vidas são feitas de uma imensa liberdade de morrer que não souberam aproveitar: inexpressivo holocausto da história, a vala comum devora-os.
Mas, o fervoroso das separações, ao procurar caminhos não frequentados pelas hordas, retira-se para a margem extrema e avança no limite do círculo, que não pode transpor enquanto estiver submetido ao corpo; no entanto, a Consciência paira mais longe, inteiramente pura num tédio sem seres nem objectos. Já não sofrendo, superior aos pretextos que nos convidam a morrer, ela esquece o homem que a suporta. Mais irreal do que uma estrela pressentida numa alucinação, ela propõe a condição de uma pirueta sideral, - enquanto sobre a circunferência da vida a alma se passeia, encontrando-se apenas a si própria e à sua impotência para responder ao apelo do Vazio.
Emil Cioran
in Précis de Décomposition (1949)
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