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Atormentava-o um problema, que lhe dava má consciência e o impedia de escrever: o que se passa no domínio da escrita não será destituído de valor se se mantiver puramente "estético", anódino, desprovido de sanção, se, no acto de escrever uma obra, não houver nada que seja o equivalente (e aqui intervém uma das imagens mais caras ao autor) do que são para o toureiro os cornos acerados do touro, a única coisa que - por causa da ameaça material que contêm - confere uma realidade humana à sua arte, e a impede de ser apenas a graça fútil de uma bailarina?
[...]
Michel Leiris, "Da literatura considerada como uma tauromaquia",
in Idade de Homem, Lisboa: Editorial Estampa, 1971
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"[...] disse que tal como aos toureiros lhes crescem as barbas com o medo de tourear assim lhe crescia a barba na espera dos críticos. e imaginei-o em pequeno a escrever num diário, imberbe. e agora esta vida de samurais e de toureiros onde é preciso sangrar. é isso a literatura, diz ele. um samurai que sabe que vai morrer mas continua a lutar. [...]"
Sandra Andrade, Doppelgänger,
Coimbra, DSO, 2016
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