ALEGRIA MORTÍFERA
Ó morte, vem a meus braços,
já que não posso morrer!
AFONSO DUARTE
A morte rondava, rotatita, ritual e ríspida:
comia os adjectivos todos, não perdoava a eternidade dos momentos, levara a mãe e alguns dos seus melhores amigos.
A morte respirava perto, descalça, a dansar sobre cacos de vidros.
§
A morte punha a nu a sua castidade toda.
§
Dormiam como dois irmãos, unidos pelo mesmo sangue, que circulava através da ternura.
§
Esperavam um pelo outro, enquanto dormiam.
§
Amava sem medida, sem deixar de ser perverso: andava pelo verso a verificar o som do vinho a cair no copo,
a vibração do eco colorido e do sabor,
cansado do cansaço, o coração cheio de musgo,
emparedado entre a paixão e o remorso.
24.II.96
António Barahona, Maçãs de Espelho,
Lisboa: Língua Morta, 2012
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