quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A de Amor (XXI)

BEIJOS, PEDRADAS



Juntando-nos, afastamos a fera às pedradas. Enquanto foge por entre os matos da nossa tensa idade, que é na verdade um fantástico restolho, sorrimos imbuídos de gratidão e de um premonitório terror. Porque já não é a primeira vez que afastámos a fera e sorrimos, e receámos o seu regresso: e voltou. Agora apertamo-nos, mordemo-nos de amor, e falamos de esperança com lacónicas e furiosas braçadas - sem soltar as últimas pedras. A nossa sabedoria e a nossa tristeza tocam-se nos seus extremos: estamos sempre à espera de um novo ataque. Má fera feita do metal do nada, não-ser feito fera, alimária maior do que a aversão que inspira, com músculos tão poderosos como as dobradiças dos anos. Prisão que se move até hoje, da amplidão de um deserto, matemática, rigorosa. Precisa fera que se arrasta sob a lua, olhando-nos com a avareza sonolenta de um dinossauro entre os lodos da pré-história.

Ameaçando-nos com o seu estereofónico rugido listrado de estridências de nascença, a fera olha-nos e prolonga a sua espera imortal antes do salto. Tu vês como ela nos olha, tu bem o vês; o que interessa se a carne se rasga entre os seus dentes. Com o sangue derramado no amor pelo terror poderíamos cobrir esta região que olhamos apaixonados, abraçados pela cintura como elos. Arranha o que quiseres, sejamos tão ferozes como o nosso destino.

Nunca te disseram que o amor é essa desgraça?



 Félix Grande, Biografía (1958-2010),
Barcelona: Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores, 2011

[Trad. ID]
 

Sem comentários: