terça-feira, 28 de agosto de 2018

A de Amor (XXVIII)


[Para o M.]


PALERMO


Foi estúpido termos deixado o nosso quarto.
A praça vazia estava um caldo.
O relógio parecia prestes a derreter.

O calor era um taco batendo numa bola 
e arremessando-a para as urtigas do verão.
Mesmo as abelhas estavam desmaiadas perante tal dia. 

A única coisa que se deslocava além de nós
(e entretanto tínhamos parado sob um toldo)
era um esquilo que corria de um lado para o outro

como se estivesse com dúvidas
acerca de atravessar ou não a rua,
com a cabeça e a cauda contorcendo-se de indecisão. 

Tu olhavas para uma montra
mas eu reparava no esquilo
que agora se levantava sobre as patas traseiras,

e, depois de fazer uma pausa para olhar em todas as direcções,
começou a cantar com uma bonita voz
uma ária melancólica sobre a vida e a morte, 

as patas dianteiras apertadas contra o peito,
o rosto cheio de saudade e esperança,
à medida que o sol incidia

nos telhados e toldos da cidade,
e a terra continuava a girar
e a manter no sítio a lua

que apareceria mais tarde naquela noite
quando nos sentámos num café
e, incentivado pelo proprietário,

eu me pus de pé em cima da mesa
e cantei para ti e para os outros
a canção que o esquilo me ensinara a cantar.


Billy Collins, Amor Universal,
com trad. de Ricardo Marques, Lisboa, Averno, 2014

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