COVA DO LOBO
Para a bisavó Jaquelina e o tio Nunes,
que fazem parte da minha primeira memória
A um nome antigo,
com o sangue afiado pelo tempo,
devemos pedir segredo,
ouvidos capazes de adivinharem
a queda da primeira folha,
promessas de uma noite
mais escura, encrespada.
Mas aqui até as bocas de lobo são
um desengano em forma de flor,
não como esses lírios de Júlio César,
a estaca no fundo à espera
da alma do último inimigo.
À violência acossada e ciosa da lenda
restou apenas o pescoço dos cães
no limite da humanidade,
o sacrifício da pedra que se abate
ritualmente sobre as amêndoas,
talvez um joelho esfolado em silêncio.
(Uma vida inteira na órbita
repetida de uma cadeira de balouço,
entre o Sol do tamanho de uma baga
poeirenta e a fonte cercada de mãos
que sabem prender sem amarrotar.)
Assim de frágil é a memória do presente.
O contrário da vida depois,
lá fora, entre a alcateia.
Nunca mais estaremos tão possuídos
pelo acaso, tão confortáveis junto ao mal,
como antes de o reconhecermos
e destruirmos as palavras que o diziam.
Inês Dias, Um raio ardente e paredes frias,
Lisboa, Averno, 2013
*
Manuel de Freitas, Sob o Olhar de Neptuno,
Porto, 50Kg, 2018
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