Eu tinha visto que a dor era sempre necessária para se produzir alguma coisa de belo e de gigante: para se agarrar um pedaço de sonho, que, apenas entrevisto, foge: para que nas nossas mãos esquálidas fique um farrapo dessa figura de prodígio: para que a vida tenha um fim: para amar: para criar: para que alguma coisa de duradouro reste. Num grito existe sempre viva uma porção de beleza. Da cova nascem coisas materiais, formas, árvores, nuvens - da dor jorra a beleza absoluta.
E com que fim? dir-me-ão.
Imaginem um estatuário: para compor uma marmórea figura, para realizar um fantasma entrevisto, precisa de sofrer. Depois tritura o barro, petrifica a dor. E acaso se pergunta se o barro sofre? Assim Deus esmaga o barro que nós somos para construir alguma coisa de extraordinário: mundos, a Vida e a Morte, alma infinita que tudo atravessa.
De que precisam os poetas para fazer uma obra de génio? De dor. O sofrimento cria. Lembram-se das figuras de mármore, para sempre debruçadas sobre os túmulos antigos? O luar que vem pela rosácea gótica ao tocar-lhes dá-lhes uma vida de sonho, fá-las todas de poalha: estremecem, levantam voo, dir-se-ia. Pois a dor, fio a fio, como o luar, dá vida ao sonho.
Para se criar é preciso sofrer-se. Hoje e sempre só a dor é que deu vida às coisas inanimadas. Com um escopro e um tronco inerte faz-se uma obra admirável, se o escultor sofreu. Mais: com palavras, com sons perdidos, com imaterialidades, consegue-se este milagre: fazer rir, fazer sonhar, arrancar lágrimas a outras criaturas. Com as simples e secas letras do abecedário, um desgraçado com génio, metido numa água furtada, edifica uma coisa eterna, uma construção mais sólida e mais bela, do que se fosse arrancar os materiais ao coração das montanhas.
O que é então a dor, milagre extraordinário, que consegue dar vida às fragas? o que é esse assombroso fluido, que se comunica, alma arrancada da própria alma e que se pode repartir como o pão? Nunca houve sob o sol criatura que sofresse da verdadeira dor cujo sofrimento não consolasse ou salvasse. Até as mais humildes, tal como árvores que ainda depois de mirradas, vão aquecer e alumiar os pobres.
A dor dá a vida e não é a própria vida: cria, redime, obra prodígios e nada há que se comunique, que convença, que torne os homens irmãos, como ela... Para onde vão pois todos esses gritos, unidos num só grito? Visto que nada se perde, que é que se sustenta no infinito com essa enxurrada de lágrimas? Deus?
E com que fim? dir-me-ão.
Imaginem um estatuário: para compor uma marmórea figura, para realizar um fantasma entrevisto, precisa de sofrer. Depois tritura o barro, petrifica a dor. E acaso se pergunta se o barro sofre? Assim Deus esmaga o barro que nós somos para construir alguma coisa de extraordinário: mundos, a Vida e a Morte, alma infinita que tudo atravessa.
De que precisam os poetas para fazer uma obra de génio? De dor. O sofrimento cria. Lembram-se das figuras de mármore, para sempre debruçadas sobre os túmulos antigos? O luar que vem pela rosácea gótica ao tocar-lhes dá-lhes uma vida de sonho, fá-las todas de poalha: estremecem, levantam voo, dir-se-ia. Pois a dor, fio a fio, como o luar, dá vida ao sonho.
Para se criar é preciso sofrer-se. Hoje e sempre só a dor é que deu vida às coisas inanimadas. Com um escopro e um tronco inerte faz-se uma obra admirável, se o escultor sofreu. Mais: com palavras, com sons perdidos, com imaterialidades, consegue-se este milagre: fazer rir, fazer sonhar, arrancar lágrimas a outras criaturas. Com as simples e secas letras do abecedário, um desgraçado com génio, metido numa água furtada, edifica uma coisa eterna, uma construção mais sólida e mais bela, do que se fosse arrancar os materiais ao coração das montanhas.
O que é então a dor, milagre extraordinário, que consegue dar vida às fragas? o que é esse assombroso fluido, que se comunica, alma arrancada da própria alma e que se pode repartir como o pão? Nunca houve sob o sol criatura que sofresse da verdadeira dor cujo sofrimento não consolasse ou salvasse. Até as mais humildes, tal como árvores que ainda depois de mirradas, vão aquecer e alumiar os pobres.
A dor dá a vida e não é a própria vida: cria, redime, obra prodígios e nada há que se comunique, que convença, que torne os homens irmãos, como ela... Para onde vão pois todos esses gritos, unidos num só grito? Visto que nada se perde, que é que se sustenta no infinito com essa enxurrada de lágrimas? Deus?
Raul Brandão, Os Pobres
1 comentário:
Só não quero a dor de uma síndrome de De Quervain, que sofri durante 5meses no punho direito. Essa não me acrescentou nada de bom, só estresse!
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