PRAIA DE SANTA BÁRBARA
No extremo da vila ficam as terras do morgado
Gusmão, ruína na oscilação dos dias e das noites – casa e
capela. Também podes passar uma espécie de cabo-não a
ser dobrado antes da aurora.
Pode varrer-te a face a esquiva palidez de quem teve morte
violenta – a cruz é o que quer dizer na humilde cimalha. Arde
de pavor pelo ocaso frio das estrelas. Não temas o esfacelado
rosto, a sua história fura-
-se de segredo. Guarda contigo a cor ambarina da íris, as
mãos, lábios estreitos de desejo. Sentirás a desarmonia do
pulso, se lhe tocares. Mas deixa os mortos entregues ao mal
dormido juramento. Não penses que querem um beijo ou a natureza
vegetal de um lírio. Eles vão pela fundura cega do Gólgota.
E se seguires pela linha da costa
se disseres adeus à neblina que nos cimos guarda o vaga-
-lume da Lagoa do Fogo, então
estás entre o mar e o céu e o negro calhau rolado e as coisas
contidas num ruir revolto. Som cavo e logo se espraia
que se desfaz e renasce ao redor a
coberto de lendas marinheiras e mapas. Revoa a prata de escamas
nas vogais perfeitas de Bárbara, onda a quebrar os ossos na
roda o martírio
trovão de lonjura
eco de sal
sem castelo de torre. E
sentirás na rede escondida do sangue
tranquila rosa de salitre.
João Miguel Fernandes Jorge, Antologia Açoriana (2011)
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