Ainda há pouco, num gesto lânguido, sob a lassidão que o mau tempo traz, desesperando as tardes uma após a outra, deixei cair, sem sombra de curiosidade e com a sensação de já ter lido tudo há vinte anos, a cortina de pérolas multicolores que vela a chuva, ainda, contra a fulgência inconstante das brochuras na biblioteca. Muitas obras, sob os fios de vidrilhos, alinharão agora as suas próprias cintilações: apraz-me, como no céu pejado, junto ao vidro, seguir os clarões da tempestade.
A nossa época, recente, se não termina, suspende-se ou talvez ganhe consciência: certa atenção liberta a vontade criadora e relativamente segura de si.
Mesmo a imprensa, cuja informação costuma requerer uns vinte anos, trata do assunto, de repente, no próprio dia.
A literatura sofre aqui uma preciosa crise, fundamental.
[...]
Stéphane Mallarmé, entre 1886 e 1896
in Crise de Versos, trad. e notas de Pedro Eiras e Rosa Maria Martelo,
Porto: Deriva Editores, 2011
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