[...] Trata-se, em suma, de apelar para que ouseis enfrentar o mais recente dos perigos que ameaçam toda a humanidade e que é um perigo imanente: o de ela vir a ser privada de toda a beleza da vida por causa de uns tantos que defendem o direito exclusivo aos privilégios. É, de facto, um perigo que os mais fortes e mais sábios entre os humanos, no seu afã para um total domínio sobre a natureza, possam vir a destruir os seus bens mais singelos e generosos, a tornar seus escravos os mais simples e, a eles, escravos de si próprios, o que levará o mundo a uma segunda barbárie ainda mais ignóbil e muitíssimo menos esperançosa do que a primeira.
Falo do perigo de o actual curso da civilização poder vir a destruir a beleza da vida - estas são, sem dúvida, palavras duras e quem me dera poder não as pronunciar. Mas não posso, sem trair o que julgo ser a verdade.
[...]
Entre esses males estou e estive sempre convicto de que será vencido aquele que considerei ser o pior de todos, a mais pesada das escravaturas: o mal de que padece a maior parte da população sujeita a ver quase toda a sua vida atrofiada por um trabalho que, na melhor das hipóteses, não lhe interessa ou não desenvolve as suas faculdades e, na pior delas (e também a mais comum), é mero trabalho escravo que a reduz a uma condição sub-humana, que lhe é compulsivamente extorquido da forma mais severa e de que todos se envergonham e quem pode rejeita. Há-de vir o dia em que todos tomarão consciência disso e se ouvirá o grito de serem homens, de novo. Só a arte os conseguirá redimir dessa escravatura [...], serão iluminados por uma arte feita pelas pessoas e para as pessoas como um prazer para quem a faz e para quem a usufrui.
William Morris (24 de Março de 1834 – 1896)
in A Beleza da Vida, trad. de Clara Garcia da Fonseca,
Lisboa: & etc, 2007
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