"Esse Inverno de 1841 foi particularmente rigoroso. O frio veio antes do Natal, e em Janeiro instalou-se uma grande geada, mortalmente calma e contínua. Se alguma neve caía por vezes, era em grãos duros e escassos, mas não havia vento, não havia sol, não havia uma agitação no ar ou nas águas. Um gelo espesso cobria o Sund e podia ir-se a pé de Elsinore à Suécia e tomar café com os amigos, esses cujos pais tinham encontrado os pais dos que atravessavam, agora gelada, essa água ao som dos canhões, quando as vagas foram alterosas. As gentes pareciam fitas de negros soldadinhos de chumbo na infinita planura cinzenta. Mas à noite, quando as luzes das casas e os fracos lampiões das ruas iluminavam apenas um breve caminho no gelo, esta planura branca do mar era toda estranha, como se um sopro de morte varresse o mundo. O fumo das chaminés subia a direito no ar. Nem os mais velhos se lembravam de outro Inverno assim."
Karen Blixen, Sete Contos Góticos
1 comentário:
GRAND HOTEL KØBENHAVN, 326
Onze horas: a tua mão adormecida marca
agora um conto de Karen Blixen
– veremos em breve essa casa cinzenta,
em Helsingør – enquanto eu ouço uma sonata
de Scarlatti tocada por Scott Ross
e sei que também isso ficarei a dever à Dinamarca.
Apontamentos culturais? Podem até chamar-lhes
assim, ignorando a áspera nudez da voz,
o grito comum que viemos suspender aqui.
Lá em baixo, por exemplo, os funcionários do
restaurante, terminado o serviço, abrem
a terceira garrafa de champanhe e fumam
ruidosamente, como se amanhã não existisse.
A questão, no fundo, é apenas esta: há momentos
em que a vida nos parece quase bela,
escolhos onde embatem as mais íntimas certezas.
Talvez adormeçamos lado a lado,
de costas para a morte, e haja corsários ao fundo,
um mar de gelo protegendo-nos da noite.
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