7 de Junho de 1979
Compreendi hoje, um pouco melhor, o mistério de solidão. A comunidade tem de estar dispersa, viver na tensão de encontrar-se sem duradouro encontro, cultivar o poder absoluto de estar só, que só ele é inofensivo; é um corpo vivo sem jugo; a comunidade é a diáspora.
Por estes dias sentia-me perturbada, dissolvida na água. Sempre tensa, à procura, em movimento dentro de uma ordem infinita e pré-estabelecida. O trabalho a realizar quotidianamente é mais forte do que conhecer e escrever; estou sempre à espera de poder parar, mas a noite é temporária e ponte para um dia igual. [...]
Maria Gabriela Llansol, Numerosas Linhas - Livro de Horas III,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2013
[ID, Lisboa, 09/016]
XXXIX
E nós somos como os frutos. Pendemos do alto de ramos estranhamente tortuosos e suportamos bem os ventos. O que temos é a nossa maturidade, a nossa doçura e a nossa beleza. Mas a força para tal emana de uma raiz que se propagou até cobrir mundos e mundos em todos nós. E, se quisermos testemunhar a favor do seu poder, então devemos utilizar, cada um, o nosso mais solitário sentido.
Quanto mais solitários houver, mais solene, comovente e poderosa será a comunidade.
Rainer Maria Rilke, Notas sobre a melodia das coisas,
trad. Sandra Filipe, Lisboa: Averno, 2011
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