domingo, 15 de maio de 2011

F de Fazer Fotografia (XLVII)

O CAÇADOR DE IMAGENS



Salta da cama de manhã cedo, e só sai se tiver o espírito limpo, o coração puro, o corpo leve como roupa de Verão. Não leva quaisquer provisões. Bebe o ar fresco do caminho e aspira os seus aromas saudáveis. Deixa as armas em casa e contenta-se em abrir os olhos. Os olhos servem de redes em que as imagens ficam presas.
A primeira que ele captura é a do caminho que mostra os seus ossos, seixos polidos, e os seus trilhos, veias rebentadas, entre duas sebes carregadas de abrunhos e amoras.
A seguir apanha a imagem do rio, que empalidece em cada curva e adormece sob a carícia dos salgueiros. Quando um peixe mostra a sua barriga, o rio brilha como se lhe tivessem atirado uma moeda de prata e, sempre que cai uma chuva mais fina, fica com pele de galinha.
O caçador leva consigo a imagem das searas ondulantes, dos campos de luzerna apetecíveis e das pradarias debruadas de regatos. Pelo meio, ainda surpreende uma cotovia ou um pintassilgo em pleno voo.
Entra então no bosque. Não imaginava ter os sentidos tão delicados. Impregnado rapidamente de perfumes, não perde nenhum rumor, por mais abafado que seja, e, para conseguir comunicar com as árvores, os seus nervos ligam-se às nervuras das folhas.
Pouco depois, vibrando até à náusea, começa a sentir demais, agita-se, tem medo, deixa o bosque e observa ao longe os camponeses que regressam à aldeia vindos da fundição.
Ainda fixa por instantes, até os olhos não aguentarem mais, o sol que se põe e que pousa no horizonte as suas roupas luminosas, deixando as nuvens desarrumadas.
Por fim, quando regressa a casa de cabeça cheia, apaga a luz e, antes de adormecer, entretém-se longamente a contar as suas imagens.
Estas respondem obedientemente ao chamamento da memória. Umas despertam as outras, e o seu bando fosforescente vai acolhendo as recém-chegadas, tal como as perdizes, perseguidas e separadas durante o dia, cantam à noite, ao abrigo do perigo, e se juntam no recôndito dos campos.


- Jules Renard, Histórias Naturais
[trad. ID]

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