segunda-feira, 16 de maio de 2011

S de Solidão (ou C de Comunidade) XXII

A arte diz respeito ao mundo da diferença, mas procura a semelhança. Por meios transversais. Não é possível apertar a mão ou explicar um desacerto. É como olhar nos olhos o outro para encontrar a brancura sem pupila, um corpo-a-corpo sem ninguém.
A arte procura uma semelhança: estar só, frente a um papel ou a uma pedra, um bocado de madeira, a braços com uma excitação sem nome, irrepresentável, e procurar-lhe um corpo para a envolver, como um fantasma perdido. Manter a frieza mesmo com a alma em fogo, tal é a experiência da ausência e é unicamente sobre ela, sobre o não poder estar entre iguais, que a arte se realiza, porque esse abandono, abandono único e irremediável, é a verdadeira terra do artista, apátrida entre os seus. É nesse abandono que a arte procura uma semelhança. Recolher, recolher-se aos sentidos.


- Maria Filomena Molder, Jorge Martins, Lisboa: INCM, 1984

 

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