quinta-feira, 29 de março de 2012

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A 10 de Abril de 1934, em plena "ocultação" de Vénus pela Lua (fenómeno esse que só acontecia uma vez por ano), almoçava eu num pequeno restaurante, situado, bastante desagradavelmente, à entrada de um cemitério. Para lá se chegar, havia que passar, sem grande entusiasmo, diante de várias lojas de flores. O espectáculo de um relógio sem mostrador pendurado na parede também não me pareceu, naquele dia, uma ideia de bom gosto. Nada mais tendo que fazer, pus-me no entanto a observar a aprazível vida daqueles sítios. À noite, o patrão, "que faz a cozinha", volta para casa de motocicleta. Os operários parecem fazer honras à comida. O homem que lava a loiça, um homem realmente belíssimo, com um ar bastante inteligente, sai, de vez em quando, da copa, para, de cotovelo apoiado ao balcão, vir discutir com os clientes coisas na aparência sérias. A criada é muito bonita: ou melhor, poética. Nessa manhã de 10 de Abril, trazia ela, sobre uma gola branca salpicada de bolas vermelhas, muito a condizer com o vestido preto, um finíssimo cordão donde estavam suspensas três límpidas gotas de água como que feitas de pedra lunar, gotas redondas sobre as quais se destacava, na parte de baixo, um crescente da mesma matéria, engastado do mesmo modo. Pude apreciar, uma vez mais, a coincidência entre a jóia e o eclipse. Como tentasse situar a rapariga, tão bem inspirada para aquela ocasião, ouvi, de repente, a voz do lavador de louça: "Ici l’Ondine!", e a resposta estranha, infantil, quase ciciada, perfeita: "Ah,! Oui, on le fait ici, l’On dîne!". Que cena poderá haver de mais comovente? Era o que me perguntava, nessa mesma noite, ao ouvir os artistas do teatro de l'Atelier massacrarem uma peça de John Ford.
   
    
A beleza convulsiva terá de ser erótico-velada, explodente-fixa, mágico-circunstancial, ou não será beleza.

André Breton, O Amor Louco,
trad. de Luiza Neto Jorge, 2ª ed., Lisboa: Editorial Estampa, 1987

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