DOMINGO À TARDE
Enlaçavam-se os domínios arqueados de uma aurora
cinzenta, num país cinzento, sem paixão, tímido.
Enlaçavam-se os céus implacáveis, os mares
proibidos, as terras estéreis.
Enlaçavam-se os galopes incansáveis de cavalos
magros, as ruas onde já não passavam os carros,
os cães e os atos moribundos.
Aureolavam-se de encantadora palidez as mulheres,
as crianças de sentidos límpidos.
Aureolavam-se as aparências, os dias infindáveis,
dias sem luz, as noites absurdas.
Aureolava-se a esperança de uma neve definitiva,
marcando na fronte o ódio.
Adensavam-se os astros, adelgavam-se os lábios,
alargavam-se as frontes como mesas inúteis.
Curvavam-se os cumes acessíveis, adoçavam-se os
mais insípidos tormentos, comprazia-se a natureza
numa única função.
Respondiam-se os mudos, escutavam-se os surdos,
olhavam-se os cegos.
Nestes domínios confundidos onde até as lágrimas
só se miravam em espelhos lamacentos, neste país
eterno que reunia os países futuros, neste país onde
o sol ia sacudir as suas cinzas.
Paul Éluard, Algumas das Palavras,
trad. António Ramos Rosa e Luísa Neto Jorge, 2ªed,
Lisboa: Publicações D. Quixote, 1977
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