sexta-feira, 6 de abril de 2012

NA COMPANHIA DOS MONSTROS



     Tornou-se muito cedo evidente (desde a minha adolescência) que eu nascera para viver entre os monstros.
     Durante muito tempo pareceram-me terríveis, depois deixaram de ser terríveis e, após uma grande virulência, atenuaram-se pouco a pouco. Por fim, tornaram-se inactivos e eu podia viver serenamente entre eles.
     Era a época em que outros, ainda imprevisíveis, se começavam a formar e um dia se apresentariam a mim, activos e terríveis (pois, se eles iam surgir por os acharmos ociosos e sob controlo, quem é que podia imaginar que viriam mesmo um dia?), mas depois de terem enegrecido todo o horizonte, começaram também a atenuar-se e eu vivia entre eles em igualdade de alma, o que era uma bela coisa, sobretudo tendo ameaçado ser algo de tão detestável, quase mortal.
     Eles, à primeira vista tão imensos, infectos, repugnantes, adquiriam uma tal fineza de contornos que, apesar das suas formas impossíveis, quase pareciam fazer parte da Natureza.
     Era o tempo que tinha esse efeito. Sim. E qual era o sinal inequívoco do seu estado inofensivo? É muito simples. Já não tinham olhos. Lavados dos órgãos de detecção, os seus rostos, embora de forma monstruosa, as suas cabeças, os seus corpos agora incomodavam tão pouco como os cones, as esferas, os cilindros ou outros volumes que a Natureza apresenta nos seus rochedos, nas suas pedras e em muitos outros domínios.


Henri Michaux, 
Épreuves, exorcismes, 1940-1944
[Trad. ID]

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