Agarro, pois, a vida entre as mãos, com tudo o que sei sobre ela, tudo o que podemos pressentir, o que devíamos ter visto, o que lemos, o passado, o presente, pouco futuro (nada nos faz divagar mais do que o futuro), tudo o que deveríamos saber, as mulheres que beijámos, o que apanhámos de surpresa; as pessoas, o que elas não souberam que sabíamos, o que elas nos fizeram; as falsas saúdes, as alegrias defuntas, as melodiazinhas que caem no esquecimento, o resto de vida que ainda escondem, e o segredo da célula ao fundo do rim, que quer funcionar bem durante quarenta e nove horas, não mais do que isso, e que depois deixará passar a sua primeira albumina do regresso a Deus… Sim… Sim… Estão a entender-me? A acompanhar-me? A perna disforme da priminha também lá deve caber, dobrada, e o navio com as velas desfraldadas a demasiados a ventos, que nunca mais termina a sua volta ao mundo com a sua carga de dólares velhos?.. É preciso amarrá-lo ao nosso sonho… Com o seu capitão que não quer ter ar de quem já usa óculos… Mas que toda a tripulação já experimentou, porque sabem que ele desconfia… o seu grumete beiçudo, com os dentes a cair, passa demasiado tempo na sua cabine… E a corda do enforcado, calafate, arrasta-se lá longe, atrás do cadaste, entre a espuma, longe, de onda em onda, dessas que perseguem o navio…
Enfim, tudo, mais ainda, tudo mesmo, tudo o que acreditámos, depressa, de passagem, que podia fazer viver ou morrer. […] É o bazar das canções mortas.
[…]
Louis-Ferdinand Céline, “Postface à Voyage au bout de la nuit”, 1933
[Trad. ID]
2 comentários:
Pois, é o que às vezes penso, um lápis é uma bóia...porca miséria!
(às vezes também penso, a geografia é um mito!)
Obrigado por estares aí!
Obrigada também por estares desse lado :)
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