Por vezes fixo uma data, talvez até ao fim da minha vida. E quando chegar um dia antes desse dia, posso lembrar-me sempre de um facto que se lhe prende. Não importa que seja um aniversário. Pode não passar de um gesto, de um rosto que para sempre ficou perdido na distância não só do tempo como de uma rua, de uma sala de museu, de uma loja. Durou segundos, mas traz o traço, a sombra, a luminosidade capaz de se prender pelo que houver de longo na minha vida. Irrompe no exacto dia do aniversário da sua aparição, ou andará próximo desse instante. Nem sempre é um rosto, um corpo, ou um melro morto à beira de um passeio. Um objecto pode ser o senhor desse domínio festivo. Mesmo a morte de um melro ou de alguém amado transporta consigo um sentido de festa, de coisa que se comemora no mais secreto. [...]
João Miguel Fernandes Jorge, O Próximo Outono,
Lisboa: Relógio D'Água, 2012
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