quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

F de "(Une) Famille d'Arbres" (V)



UMA ÁRVORE PARA MARINA TSVIETÁIEVA
 
 
 
Nalgum lugar do mundo espera-me uma árvore.
Só e majestosa no sopé de uma colina
ou escondida entre outras no fundo de um vale.
Não sei se as suas folhas deixam passar a luz e os pássaros,
se só dá sombra ou também algum tipo de fruta.
Se é resistente aos rigores do verão,
se um floco de neve a pode incendiar.
 
Mas guarda no seu interior uma caixa secreta.
 
O carpinteiro da funerária dorme
a sono solto e em sonhos murmura:
É preciso tirar à caixa o que lhe sobra
da árvore, arrancar-lhe a cortiça que a prende,
desatar-lhe os nós, apaziguar-lhe a seiva.
 
Mas, afinal de contas, talvez
não seja muito frondosa nem muito direita
a árvores que me espera e ainda não conheço.
Talvez, embora só tendo dois ramos,
se engane com frequência nas suas tarefas diárias
e num ramo brote um pássaro fugaz
e noutro, esquiva, esvoace uma flor.
 
Mas no seu interior cresce uma caixa para mim.
Paciente e silenciosa. Confortável e quente.
Temo que atinja por fim a minha estatura.
 
E ainda que tenhamos de nos encontrar
e reconhecer num meandro do tempo,
a caixa e eu levamos vidas contrárias:
Eu velarei para que ela durma.
Ela renascerá quando eu morrer.
 
 
Madrid: Visor, 2012