«Amada pastora minha,
teus repentes me maltratam,
os teus desdéns atormentam-me,
teus desatinos me matam.
À noitinha tu detestas-me
e queres-me de manhã;
insulto-te ao meio-dia,
e durante a tarde chamas-me;
agora dizes que queres,
e depois que só troçavas,
ris de minhas fracas obras,
choras por minhas palavras.
Quando sofres por ciúmes
estás mais contente e cantas;
e quando estou mais tranquilo
parece que te desgraças.
Criticas-me ao meu amigo
e ao meu inimigo gabas-me;
se não te vejo, procuras-me,
e, se te procuro, zangas-te.
Parti uma vez de ti,
choraste minha ausência grande,
e agora que estou contigo
com a tua me ameaças.
Sem mar nem montes no meio,
sem ter perigo nem guardas,
mar, montes e guardas tens
com uma palavra zangada.
As paredes de tua choça
parecem-me de montanha,
um mar o chegar a vê-las,
mil graças tuas desgraças.
Como tens num só momento
o amor e a mudança;
porém, pintam-no menino,
pouca vista e muitas asas.
Se Filis te fez ciúmes,
o tempo te desengana,
que como ela quer a alguém,
posso por outra deixá-la.
Se a aldeia toda o murmura,
a gente sempre se engana,
e é melhor que tu me queiras,
ainda que ela tenha a fama.
Com tudo isto amedrontas-me,
disfarças e ameaças-me;
se choras, - como detestas?
e se troças, - como amas?»
Isto dizia Belardo
a falar com uma carta,
à sombra de uma oliveira
que o dourado Tejo banha.
Lope de Vega, Antologia Poética, trad. José Bento, Lisboa: Assírio & Alvim, 2011
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