sexta-feira, 1 de junho de 2012

C de Começar o dia com um livro novo (IX)

SOZINHO

     Sozinho levantado. Sozinho sentado. Sozinho deitado. Sozinho sobre a grelha. Sozinho desmembrado por cavalos de trabalho de que só via as garupas. Sozinho enforcado e o seu esperma transformado em mandrágora. Sozinho na velocidade que não existe, no minuto que não existe, no espaço que não existe, no tempo que não existe, na eternidade que não existe, no nada que não existe, no vazio cheio de lama. Sozinho num bloco de quartzo ignóbil, num icebergue em viagem. Sozinho com a solidão que não é só uma. Com a lua que foi sem ser. Com os seus passos que não existem. Com este tição que se devora e arde ao meio e se devora e arde num sonho que nem sequer é um sonho. Sozinho com o sono do condenado à morte.


Jean Cocteau, Tanta coisa por dizer,
Lisboa: Língua Morta, 2012



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