sexta-feira, 22 de junho de 2012

REMANÊNCIA


Para Louis Fernandez



De que sofres tu? Como se despertasse na casa em silêncio o ascendente de um rosto que algum espelho agreste tivesse imobilizado. Como se, com o candeeiro alto e o seu brilho pousados sobre um prato cego, tu erguesses até à tua garganta apertada a mesa antiga e os seus frutos. Como se revivesses as tuas fugas no vapor da manhã ao encontro da tão desejada revolta, que soube, melhor do que qualquer ternura, socorrer-te e elevar-te. Como se condenasses, enquanto o teu amor dorme, o portal absoluto e o caminho que a ele conduz.
De que sofres tu?
Do irreal intacto no real devastado. Dos seus desvios aventureiros, cercados de apelos e de sangue. Do que foi escolhido e não foi atingido, da margem do salto até à costa alcançada, do presente irreflectido que vai desaparecendo. De uma estrela louca que se aproximou e que vai morrer antes de mim.


René Char, Le Nu perdu, 1978
[Trad. ID]

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