segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O PROBLEMA DO PÚBLICO



     Em França, não temos tanto um problema da arte, mas sim um problema do público. Em todo o lado essa necessidade de "arejar o quarto", de encontrar um pouso fresco no travesseiro, de responder a perguntas misteriosas, obriga os artistas a vencer a preguiça do hábito, a criar coisas novas ou a apresentar velhos problemas sob um ângulo inesperado. [...] E o público? Será que o público quer sair desse sono que a novidade agita? [...]
     Refiro-me a um público que aceitámos, há muito, como sendo o nosso. Esse famoso público de elite ao qual entregamos sem reservas o melhor de nós mesmos e que pensa sempre que lhe preparámos uma armadilha ou queremos troçar dele. 
     Ao anunciar na rádio que ia colaborar neste jornal, contei a minha surpresa aquando de um grande jogo entre a equipa canadiana e a equipa inglesa de hóquei sobre o gelo. No momento em que o jogo punha as duas equipas em confronto de tal modo que parecia estarmos a assistir à luta por uma alma entre anjos e demónios no reino do silêncio e da velocidade, em suma quando o espectáculo se tornou uma fascinante questão de vida ou de morte, vimos os camarotes e os lugares mais caros esvaziarem-se, enquanto os lugares mais baratos se inflamavam até aos gritos. O nosso público, o público de elite, o público com que tantos maus métodos nos obrigam a contar, mostrava-nos a frieza desatenta que concede à beleza sempre que ela não se apresenta sob uma forma que possa pôr em causa a sua inteligência. 
     Desporto... aborreço-me... vou-me embora. Um poeta... aborreço-me... fico. 
     Infelizmente, o problema continua por resolver até nova ordem. Este público de "adultos", este público que perdeu a sua infância e que por vezes a procura às escondidas no circo Médrano, é o público que paga e que paga sobretudo o luxo de julgar e matar com a desfaçatez do imperador quando condenava com um gesto do seu polegar um dos gladiadores do espectáculo. 
     Como atingir as massas? [...]


Jean Cocteau

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