EPÍLOGO A UM FILME
DEMASIADO TARDE
Um dia em que perguntei a Raimu porque é
que ele nunca ia ver os seus filmes, respondeu-me que já não os podia
aperfeiçoar e que isso o deixava doente.
Eis o drama das máquinas. Atraem-nos.
Devoram-nos. Fixam-nos.
Durante A BELA E O MONSTRO, o simples
trabalho manual esvaziava-me a cabeça e impedia-me de me criticar. Depois, é a
ordem da desordem, a desordem da ordem, uma massa onde o olhar se afunda e que
anquilosa o espírito crítico. Impossível corrigir, a menos que se
regresse ao estúdio, se reconstruam os cenários, se reúnam os artistas
dispersos.
Foi durante o festival de Cannes que
encontrei o verdadeiro fim do meu filme. É certo que este novo fim obrigaria a
refazer todas as imagens precedentes. Não passa, pois, de um sonho. Posso
apenas sentir-lhe a falta ao acordar.
A minha equipa empenhara todo o seu esplendor
no papel do Monstro. Quando Jean Marais se transforma em Príncipe Encantado, ela
já não tinha mais nada a dar. Por isso o público ama o Monstro e sente a sua
falta. Prefere a lagarta à borboleta em que ela se transforma.
Precisava de outro tipo de fim. O Monstro,
morrendo de amor, deveria implorar à Bela que fizesse a confissão que lhe
permitiria reviver como Príncipe Encantado. A Bela confessaria de todo o coração,
mas o Monstro pedira novamente uma confissão que surgisse por si só. Além
disso, a Bela não quer ir contra o que sente. Esta transformação não lhe
agrada; não a deseja. E o milagre não funciona. E o Monstro não se transforma.
E morre.
A Bela fica sozinha no mundo, de luto pelo
seu Monstro. Resta-lhe apenas a memória de uma aventura extraordinária. Não
quererá príncipe, nem marido, nem muitos filhos.
O conto perderia a sua exactidão e o seu
conformismo relativamente aos contos de fadas que quis seguir. Mas ganharia em
humanidade.
Infelizmente, como o Monstro, posso apenas
dizer: “É demasiado tarde.”
Jean Cocteau, Le foyer des artistes,
Paris: Librairie Plon, 1958
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