PACIFIC
Dobrei a esquina do Pacific.
Estava numa das montras. O
vestido negro - descalça
- marcava o sabor do seio
pequeno. As costas, oferta por
inteiro a quem a via do outro
lado do vidro
ao vencer dos passos da rua que
levava ao canal. Motores
de barcos, campainhas de bicicletas
a pressão dos pedais sobre o
rolar da corrente
o músculo tenso das pernas.
Vermelho, rosa gritado, ciclame
os mais vestidos, mas negro
o trapo que cobria a sua carne
(fio estreito de prata no rodeio
do pescoço) e a despia
de modo tão igual ao imaginável
som de trompa marinha
a quem julgasse justo o preço do
trabalhado prazer.
(Se a refiro, foi porque ao final
da tarde a voltei a ver - um
casaco cobria parte do vestido -
em Rembrandtplein, a uma mesa
do Café Schiller
onde tantos anos sempre voltei.) E
as noites
ficarão imensas e mais tristes. Um
ramo de olmo rasava a água que
corria dos seus olhos para os
canais de Amesterdão e a raiz da
sua carne era o sustento
permeável dos diques.
João Miguel Fernandes Jorge
in O Próximo Outono, Lisboa: Relógio D'Água, 2012
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