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O enigma não tem explicação. Mas faz parte das aspirações mais elevadas do homem o propor enigmas que o celebrem. A arte radica aí. Como manifestação artística, a fotografia debate-se com o problema da proximidade. O que está ao alcance da objectiva, como o que está ao alcance da mão ou do discurso, pode aparecer como "o-que-está-diante-de-nós", o objecto, por definição. Ora, tal como o poeta se serve de palavras para aceder à dimensão não objectiva das coisas, assim o fotógrafo se serve das propriedades da luz e dos dispositivos técnicos que utiliza para produzir o seu apelo ao que lá não está, mas é, na distância - a energia que dá às coisas a sua presença não presente.
Tudo o que nos toca, toca-nos por essa presença que confere a cada coisa uma reserva que a torna inapropriável. Ela é a única em cada momento, porque único é o seu potencial para fazer parte de um tecido precário e frágil aos nossos olhos, mas ao qual podemos supor a consistência do que inexoravelmente se transforma por acção de apelos, choques, correntes, que desde o ponto mais distante chegam até ali e garantem o milagre da diversidade das formas.
[...] A fotografia, como fixação de instantes, dá-nos imagens onde as diferentes velocidades de transformação estão suspensas. Uma pedra ou uma flor possuem aí o mesmo grau de imortalidade. É sobre essa capacidade de persistir como condição fundamental de tudo o que é, que cada coisa pode ser a alegria de um tempo próprio, incomparável - pode ser apenas a intensidade do seu fulgor. [...]
Silvina Rodrigues Lopes, "Escolher pensar"
in Gratuita, vol. 1, Belo Horizonte/Lisboa: Chão da Feira, 2012
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