O jardineiro não tinha prenda para dar à criança, então tirou uma chave do bolso e disse: "Esta é a chave da torre. Na noite de Natal vou abrir-te a porta."
Antes de escurecer, ele e a criança subiram a escadaria para a torre, a chave rodou na fechadura, e a porta, como a tampa duma caixa secreta, abriu e deixou-os passar. O quarto estava vazio. "Onde estão os segredos?", perguntou a criança, olhando para as vigas amalgamadas e para os cantos das aranhas e pelos vidros plúmbeos da janela.
"Já basta eu ter-te dado a chave", disse o jardineiro, que acreditava estar a chave do universo escondida no seu bolso juntamente com as penas dos pássaros e as sementes das flores.
A criança pôs-se a chorar porque não havia segredos. Explorou repetidamente o quarto vazio, raspando o pó com o pé à procura dum alçapão incolor, batendo nas paredes sem tabiques pela voz cava de um quarto além da torre. Sacudiu as teias da janela, e olhou através do pó para a noite de Natal que nevava. Um mundo de colinas estendia-se ao longe até ao céu uniforme, e os cumes de montes que nunca vira alçavam-se ao encontro dos flocos que caíam. Bosques e penhascos, vastos mares de terra árida e uma nova vaga de céu montanhês deslizando adentro das faias negras, apresentavam-se à sua frente. Para oriente ficavam os contornos de inomináveis criaturas dos montes e um antro de árvores.
"Quem são aqueles? Quem são aqueles?"
"São os montes de Jarvis", disse o jardineiro, "que estão desde o princípio".
Pegou na mão da criança e levou-a da janela. A chave rodou na fechadura.
Nessa noite a criança não dormiu bem; havia poder na neve e na escuridão; havia música invariável no silêncio das trevas; havia um silêncio no vento galopante. E Belém estivera mais próxima do que esperava.
[...]
Dylan Thomas, Uma visão do mar e outros contos,
Lisboa: Vega, s/d
1 comentário:
Que bonito...
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