TEMPO SEM TEMPO
(Mario Benedetti)
Preciso de tempo necessito desse tempo
que outros deixam abandonado
porque lhes sobra ou já não sabem
que fazer com ele
tempo
em branco
em vermelho
em verde
até em castanho escuro
não me importa a cor
cândido tempo
que eu possa abrir
e fechar
como uma porta
Tempo para olhar uma árvore um farol
para andar pelo fio do descanso
para pensar que ainda bem que hoje não é Inverno
para morrer um pouco
e nascer em seguida
e dar-me conta
e dar-me corda
preciso do tempo necessário para
chapinhar umas horas na vida
e para investigar por que estou triste
e acostumar-me ao meu esqueleto antigo
Tempo para esconder-me no canto de um galo
e reaparecer num relincho
e para estar em dia
e para estar em noite
tempo sem recato e sem relógio
Que o mesmo é dizer preciso
ou seja necessito
digamos que me faz falta
tempo sem tempo.
Versão de Miguel Martins
in Proibida a entrada a animais (excepto cães-guia),
Lisbao, Língua Morta, 2010
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