domingo, 30 de março de 2014

Q de "Que a alegria em mim permaneça" (VI)


ACEITAÇÃO


À parte o céu sem pássaros
os nomes molhados das ruas
as ilhas de outrora submersas todas
como uma lição esquecida de geografia
à parte a minha língua perdida para sempre
vocábulos traduzidos com ajuda de um dicionário
sem história sem terra sem água
à parte a quase dor
do meu terceiro exílio
isto vai.


Aris Alexandrou (trad. Gil de Carvalho) 
in Telhados de Vidro n.º13, 
Lisboa: Averno, Novembro de 2009

sexta-feira, 28 de março de 2014

M de Música para os meus olhos (XXXIX)


COIN, 1994


Gostava de poder dizer não
ao ruído do mundo.
Mas já recolhem o lixo, choveu demasiado,
e eu aperto sem convicção
o cinto verde que me cala o estômago.

Estaríamos, até, a falar da morte
- não fosse este o vigésimo
domingo a seguir à Trindade.
Tronos e dominações mo dizem,
numa rua de Lisboa que
fica, às vezes, tão perto de Leipzig.

Não abdicarei, é claro,
"dos escuros abismos do pecado"
- que em alemão se dizem doutra maneira.

Pecado, maior, é tentar traduzir a música.


Manuel de Freitas, Büchlein Für Johann Sebastian Bach,
 Lisboa: Assírio & Alvim, 2003

terça-feira, 25 de março de 2014

D de Dansa (IV)


[...]


III


Eu, que amei Pina Bausch muito antes
do português comum,
e ouvi depois
os novos-ricos a gritarem "bravo"
contra o seu rosto onde passava tudo
o que eles não entendiam,
gostava de pedir em alemão
"Tanzt", como ela pediu.
Estive uma vez
com uma rapariga da Holanda
que fez uma audição em Wuppertal.
"Make me laugh", eis o que Pina disse.

A rapariga,
é claro,
não entrou.
Mas não falava disso com despeito.
Brilhava, tarde fora, e não devido
à chuva que caía em Amesterdão.

Brilhava e eu não sei se, como os outros,
se esqueceu, entretanto,
de dançar.


Hélia Correia 
in Telhados de Vidro n.º18,
Lisboa, Averno, 2013

segunda-feira, 17 de março de 2014

E de Estudos literários comparados (IV)





Wong Kar Wai, Fallen Angels (1995) 

domingo, 16 de março de 2014

E de Estudos literários comparados (III)




Robert Bresson, Au Hasard Balthazar (1966)

sábado, 15 de março de 2014

B de BIRDS, BEASTS AND FLOWERS




     If I go alone,
I’ll lie in the wildflowers
     and dream of you


 Rod Willmot
in The Haiku Anthology: English Language Haiku by Contemporary American and Canadian Poets 
(Anchor Books, 1974)





['Pelos caminhos da manhã', 30/05/010]

m, de memória


    Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
    Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
    Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Troia,
    assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
    Um dia, o Diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
    Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
    Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
    Rimbaud se mandou para África,
Hemingway de miragens.
    Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
    Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.


Paulo Leminski, Toda Poesia,
São Paulo, Companhia das Letras, 2013

quinta-feira, 6 de março de 2014

R de Rezar na era da técnica (XV)


CHURCH GOING


Once I am sure there's nothing going on
I step inside, letting the door thud shut.
Another church: matting, seats, and stone,
And little books; sprawlings of flowers, cut
For Sunday, brownish now; some brass and stuff
Up at the holy end; the small neat organ;
And a tense, musty, unignorable silence,
Brewed God knows how long. Hatless, I take off
My cycle-clips in awkward reverence,

Move forward, run my hand around the font.
From where I stand, the roof looks almost new -
Cleaned, or restored? Someone would know: I don't.
Mounting the lectern, I peruse a few
Hectoring large-scale verses, and pronounce
'Here endeth' much more loudly than I'd meant.
The echoes snigger briefly. Back at the door
I sign the book, donate an Irish sixpence,
Reflect the place was not worth stopping for.

Yet stop I did: in fact I often do,
And always end much at a loss like this,
Wondering what to look for; wondering, too,
When churches fall completely out of use
What we shall turn them into, if we shall keep
A few cathedrals chronically on show,
Their parchment, plate and pyx in locked cases,
And let the rest rent-free to rain and sheep.
Shall we avoid them as unlucky places?

Or, after dark, will dubious women come
To make their children touch a particular stone;
Pick simples for a cancer; or on some
Advised night see walking a dead one?
Power of some sort will go on
In games, in riddles, seemingly at random;
But superstition, like belief, must die,
And what remains when disbelief has gone ?
Grass, weedy pavement, brambles, buttress, sky,

A shape less recognisable each week,
A purpose more obscure. I wonder who
Will be the last, the very last, to seek
This place for what it was; one of the crew
That tap and jot and know what rood-lofts were?
Some ruin-bibber, randy for antique,
Or Christmas-addict, counting on a whiff
Of gown-and-bands and organ-pipes and myrrh?
Or will he be my representative,

Bored, uninformed, knowing the ghostly silt
Dispersed, yet tending to this cross of ground
Through suburb scrub because it held unspilt
So long and equably what since is found
Only in separation - marriage, and birth,
And death, and thoughts of these - for which was built
This special shell? For, though I've no idea
What this accoutred frowsty barn is worth,
It pleases me to stand in silence here;

A serious house on serious earth it is,
In whose blent air all our compulsions meet,
Are recognized, and robed as destinies.
And that much never can be obsolete,
Since someone will forever be surprising
A hunger in himself to be more serious,
And gravitating with it to this ground,
Which, he once heard, was proper to grow wise in,
If only that some many dead lie round.


- PHILIP LARKIN



terça-feira, 4 de março de 2014

domingo, 2 de março de 2014

F de Fazer Fotografia (LIII)






Henri Rousseau, "Noite de Carnaval" (1886) e "Vista de Malakoff" (1908)

sábado, 1 de março de 2014

C de "Car les fleurs sont périssables"




Gabriel Cornelius Ritter von Max 
(1840 – 1915)