domingo, 16 de setembro de 2018

R de Rebeca - XX b


O DONO, SEGUNDO O SEU CÃO


Ainda que pareça tão jovem,
estou a envelhecer mais depressa do que ele,
sete para um
é a proporção que costumam dizer.

Seja qual for o número,
vou ultrapassá-lo um dia
e assumir a liderança
tal como faço nas nossas caminhadas no bosque.

E se isto alguma vez
lhe passar pela cabeça,
seria a mais doce
sombra que alguma vez lancei sobre a neve ou a erva.


Billy Collins, Amor Universal
trad. de Ricardo Marques, Lisboa, Averno, 2014




[A Kiki, no seu sítio preferido, a 8/09/019]

sábado, 15 de setembro de 2018

R de Rebeca (XX)


Era uma vez um homem que tinha um cão. Quando passeava no bosque o cão trotava atrás dele. Ouvia-lhe o ruído das patas sobre as folhas o ruído da sua respiração. Um dia o cão morreu. O homem comprou outro cão. Como o anterior o novo cão trotava atrás dele. Ouvia-lhe o ruído das patas sobre as folhas o ruído da sua respiração. E lembrava-se do outro cão. Mas um dia também esse cão morreu. De novo o homem comprou outro cão. Como os anteriores também este trotava atrás dele. Ouvia-lhe o ruído das patas sobre as folhas o ruído da sua respiração. E lembrava-se dos outros cães. Por fim não foi preciso comprar mais nenhum cão. Para onde fosse uma matilha seguia-o. Mais tarde nem era preciso já ir passear para o bosque.


Ana Hatherly, 463 Tisanas,
Lisboa, Quimera, 2006




terça-feira, 11 de setembro de 2018

L de Ler (VI)

outra maneira de ler, num dos meus jardins de sempre:



sexta-feira, 7 de setembro de 2018

A de A poesia é o menos - III c



Suzuki Harunobu 
(1725 – 1770) 



Alvin Langdon Coburn, “Woman in a Kimono with Sunflower” 
(Autochrome), 1908

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

A de A poesia é o menos - III b


SOMBRAS


Iluminar o mundo - com palavras.
velas, algum vinho.
Dito assim, quase parece simples.

Mas chovia muito e resguardou-se
cada um na sua tão pequena chama
ou numa cómoda e fria indiferença.

Talvez fosse de esperar. As velas,
porém, continuaram a arder.
Enquanto cinco rostos se reflectiam na parede

e a poesia era, de novo, a única luz.


Manuel de Freitas, Ubi Sunt,
Lisboa: Averno, 2014




Suzuki Harunobu 
(1725 – 1770)

terça-feira, 4 de setembro de 2018

T de Tratado de Pedagogia (LXIX)




Silvina Rodrigues Lopes
no posfácio a Manuel de Freitas, Sunny Bar,
com org. de Rui Pires Cabral, Lisboa, Alambique, 2015

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

T de "The days grow short" (XV)


ROSS, 1989


É uma fotografia de alguém
que vai morrer. Deus,
tanto quanto sei, nunca apreciou
o preto e branco de Bob
Mapplethorpe. É um homem,
portanto. Esconde-se
ou mostra-se na secura
quase oriental das flores. Biombos,
talvez biombos, imprimem
no seu corpo a luz fatídica de Setembro.
E nada disto tem, para já,
uma relação directa com a buganvília
que me sepultou a infância.

Mas toca - e como toca - o que
de mais sinuoso e vegetal
alguma vez compôs um ouvido
humano. "Floriram
por engano as rosas bravas"?

Voltam, desoladas, a florir.


Manuel de Freitas, Büchlein für Johann Sebastian Bach,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2003