sexta-feira, 26 de abril de 2024

P de (Po)ética (LXIII)

 


REMEDIOS VARO 
[1958 | 1962]



quinta-feira, 25 de abril de 2024

L de Liberdade

 



HANS MEMLING
[pormenor]

terça-feira, 5 de março de 2024

F de Flor Suficiente (XI)



[ID, Lx, 10/011]



"[...]
olha     traz-me um ramo de qualquer coisa
qualquer coisa que venha amaciar o seco das palavras
deitadas a este relento entre ninhos de raposa
e um sonho de groselhas 
é que deixam secura e mais nada     não deixam mais nada
os sabugueiros ao menos deitam flores e bagas
tudo pérolas     traz-me um ramo de azul tuaregue
e nem é preciso que vás ao deserto
entra por esta noite     pode ser apenas esta
não dês alerta aos bichos dos varandins
às gatas e aos gatos com cio     aos homens com sabre
sossega as gazelas     vai à fonte e traz o azul 
eu estarei à tua espera sem o falcão
sem o rei na barriga nem a gataria à espreita
[...]


Abel Neves, Úsnea,
Lisboa: Averno, 2015







[ID, Lx, 02/015]

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

A resposta será, sem dúvida, que podemos representar a obra de uma vida reduzida a três tratados, e também a três poemas, ou a três acções, nas quais o poder de criação pessoal seja levado ao extremo. O que significa mais ou menos isto: calarmo-nos quando não temos nada para dizer, fazermos apenas o estritamente necessário quando não temos projectos especiais e, coisa esta muito importante, ficarmos indiferentes quando não experimentamos a sensação indescritível de sermos arrastados, de braços abertos, por uma vaga da criação. 


Robert Musil, O Homem Sem Qualidades



*



[...] Estas árvores vão adoptar-me pouco a pouco, e para o merecer aprendo aquilo que é preciso saber:
Já sei olhar as nuvens que passam.
Já sei ficar parado.
E já sei quase calar-me. 


Jules Renard, Histoires Naturelles

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

T de (Uma) teoria de pássaros (II)


O VÔO DOS PÁSSAROS


Os áridos pássaros que mudam as estações
não vieram nunca, embora eu os esperasse.
Acaso falam os homens do que viram?
Silenciosos são os lábios dos homens.
Grito ou palavra de amor não comovem
as pedras empedernidas pelo tempo.

Eram secos pássaros.
E o céu, que é plumagem, crepita.
Nem nos que voam nem nos que permanecem.
Não me demorei sôbre nenhum pássaro.
Voando, eram a velha canção da infância morta
para mim, que sempre vi o que não existe
e eternamente verei o que jamais existirá.

Em vôo, como os anos, a vida, o tempo...

Nada imaginei que pudesse ser admitido
pelos que não entendem uma teoria de pássaros.


- LÊDO IVO

sábado, 13 de janeiro de 2024

C de Começar o dia com um livro novo (XLII)





X


     E se o vento varrer as fôlhas sêcas sem deixar nenhuma?
     Este Outomno ela não guardará fôlhas dentro dos livros
     e ele não escreverá mais poemas a falar da sua morte
     e ambos serão obrigados a não sair do Verão, mesmo no Inverno, à chuva, atrás dos vidros


António Barahona, Noite do Meu Inverno (Segundo Tômo da Suma Poética),
com capa de Inês Dias, fotografia de Teresa Santos e arranjo gráfico de Inês Mateus,
Lisboa, Averno, 2016





[ID, Nazaré, 02/013]

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

I de "I want to ride my bike" (XI)


BICICLETAS


à memória de Joana Dinis


Pedalar - e, se isto vos parecer retórico, faço questão de vos enviar ramos de jacintos, rosas de Santa Teresinha, essas coisas - é, por vezes, a única solução. Desenganados, fomos ver cegonhas, um falcão menos tímido, papoilas cujo rubor nenhum Monet fixou. Havia sobretudo vento, nêsperas ainda verdes, e pessoas que tão próximas ou distantes vão morrendo.

Pedalar contra o vento não é fácil.


Manuel de Freitas, 769118
com capa de Inês Dias e arranjo gráfico de Pedro Santos, 
Lisboa, Averno, 2020




segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

B de Bom Ano Novo (III)


Réveillon


As vozes. Os gestos. A passagem dos minutos, dos segundos. Lá fora, o frio intransitável. O coração reduzido ao receio do sangue sem diálogo (o pacífico punhal na bainha). A música à beira do excesso.
O ausente amantíssimo mas que não ousa o gesto decisivo. O vinho fluindo, o olhar interior fixo no horizonte, a mais ninguém visível. O rosto inebriado, sem lágrimas.
À meia noite as taças erguem-se até aos lábios sôfregos de esperança. No instante que mais confina com o silêncio, tudo mergulha no primeiro dia do eterno retorno.
O ausente amantíssimo. E o outro, deste lado do oceano. Habitando os dois a saudade, num coração solitário, à beira da explosão.
Lá fora, as estrelas brilham menos. Alguém começa a antever ao longe, muito ao longe, o cortejo da madrugada.

Londres, 1 de Janeiro 1997


Alberto de Lacerda, O Pajem Formidável dos Indícios,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2010